O rompimento da barragem de Brumadinho (MG) completa seis anos neste sábado (25) sem qualquer condenação criminal. O deputado Rogério Correia (PT-MG), relator da comissão parlamentar de inquérito que investigou a tragédia, afirma que uma das razões para morosidade do processo é a transferência do caso para a Justiça Federal. Ao todo, 272 pessoas morreram, cobertas por 7,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração.
“O julgamento correu em Brumadinho por três anos. A Vale entrou com pedido às vésperas de perder prazo de denúncia, eles conseguiram transferir para a esfera federal. O Ministério Público Estadual recorreu, mas não conseguiu reverter a decisão”, disse o deputado ao Congresso em Foco.
Em outubro de 2019, a CPI aprovou por unanimidade a sugestão de indiciamento da mineradora Vale e da empresa alemã Tüv Süd, responsáveis pela barragem. O relatório final sobre o rompimento da barragem também apontou a responsabilidade de 22 pessoas no crime socioambiental.
O Ministério Público Estadual indiciou 16 pessoas por homicídio doloso. Segundo Rogério Correia, em razão da transferência, o processo precisou começar do zero. Por essa razão, o caso está todo atrasado do ponto de vista jurídico. Ele compara a situação com a tragédia de Mariana (MG), que, após passar para esfera federal, vai completar dez anos sem responsabilizar os envolvidos.
“Isso mostra que a justiça tarda e não se faz justiça”.
Sensação de impunidade
A fundadora do Instituto Camila e Luiz Taliberti, a economista Helena Taliberti, considera que, além da dor da ausência, as famílias enfrentam com o descaso institucional e a impunidade.
“É a memória deles e das demais vítimas que nos move a lutar cotidianamente para que nenhuma outra mãe passe pelo que eu e tantas outras estamos passando. Quantas vidas ainda precisarão ser cruelmente perdidas para que algo mude?”, questiona.
Helena perdeu os filhos Camila e Luiz, a nora Fernanda, que estava grávida, e o ex-marido Adriano Ribeiro no desastre. O Instituto Camila e Luiz Taliberti já recolheu 127 mil assinaturas para o manifesto “Basta de Impunidade: Justiça por Brumadinho”. O documento será apresentado às autoridades para exigir celeridade nos processos judiciais.
“Cada intervenção, depoimento e momento de reflexão reforçam a importância de não deixar essa tragédia ser esquecida e de mobilizar a sociedade para exigir mudanças concretas no setor de mineração no Brasil. Poderia ter acontecido com qualquer um. Meus filhos estavam lá a passeio e morreram”, diz Helena.
Vítimas não indenizadas
De acordo com o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Guilherme Camponês, em 2024 houve um afastamento da responsabilização do diretor presidente da Vale, Fabio Schvartsman, que entrou com um pedido na Justiça para ser retirado da lista de responsáveis pela tragédia.
“Por enquanto ele está ganhando, ainda estão correndo recursos, mas por enquanto ele está sendo retirado do processo, o que é um absurdo na nossa avaliação”.
Guilherme conta que a Vale indenizou apenas cerca de 10% dos atingidos. O governo também implementou o Programa de Transferência de Renda que atende a 153 mil famílias. O programa é uma das formas de reparação econômica à população em torno do ribeirão Ferro-Carvão até e o rio Paraopeba, contaminados com o rompimento das barragens B-I, B-IV e B-IV-A. No entanto, há previsão de corte de 50% no valor do benefício neste ano.
Apesar da morosidade para que a mineradora pague as indenizações individuais, o MAB considera um avanço o início da liquidação coletiva das indenizações em 2024. “A liquidação coletiva é uma forma de fazer a indenização individual, mas com parâmetros coletivos, com uma matriz de danos coletiva, com debate coletivo, com parâmetros determinados coletivamente e através de uma perícia determinada pelo juiz”, explica.
Ele ainda conta que a Vale tentou impedir o acordo de indenização coletiva que está em fase de elaboração de metodologia e discussão entre as partes. “Ela recorreu em primeira instância, em segunda instância, já perdeu nas duas. A gente espera que neste ano de 2025 se inicie de fato a liquidação coletiva”.
Impactos socioambientais
Além da perda de vidas humanas, o rompimento das barragens também causou impactos e prejuízos ambientais e socioeconômicos. A vegetação, a fauna e outros rios dos 26 municípios atingidos. Apesar de ter pago indenização de mais de R$ 11 bilhões ao estado de Minas Gerais, a Vale não cumpriu a obrigação dela no acordo judicial firmado em 2021, segundo o MAB. Na ocasião, a mineradora se comprometeu com o governo, o Ministério Público de Minas Gerais, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública de Minas Gerais a investir em projetos de recuperação socioambientais. Entretanto, segundo o coordenador do MAB, a situação ambiental da região continua prejudicada.
“A Vale tem a promessa de limpar o rio e não está concluída. Ela vem divulgando que o rio está ótimo e que já tirou 88% do rejeito do rio, mas não é verdade. Um levantamento feito pela auditoria dessa reparação socioambiental no ano passado levantou que ela tirou o rejeito de 1% da área atingida”, afirma Guilherme Camponês.
Segundo Guilherme, os moradores seguem convivendo com contaminação da água e do solo no entorno do rio, o que também afeta os animais. Por causa disso, muitos dos atingidos não retomaram as suas atividades econômicas na região.
“Os estudos de risco à saúde humana e risco ecológico, que deveriam ser feitos para dizer se existe risco ou não, já deveriam estar prontos. Eles têm cinco fases, nem a primeira fase foi terminada ainda. A empresa que estava contratada para fazer esses estudos vai ser descontratada para a contratação de uma nova. Isso porque ela não deu conta de fazer os estudos. Então, nem sequer a informação confiável os atingidos têm acesso”.
Após as tragédias de Brumadinho e Mariana, o governo instituiu a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) para dar suporte a vítimas de desastres ambientais. Também foi instaurada na Câmara dos Deputados a Comissão Externa sobre Fiscalização dos Rompimentos de Barragens e Repactuação, também coordenada pelo deputado Rogério Correia.
A Vale afirma que assumiu cerca de R$ 64,5 bilhões em compromissos de reparação. Desse total, segundo a mineradora, R$ 48,55 bilhões já foram desembolsados. A empresa alega que removeu 88% dos rejeitos minerais. Em sua página na internet, a Vale diz que “o pagamento das indenizações cíveis extrajudiciais e trabalhistas seguem como prioridade, reafirmando o compromisso em indenizar as pessoas impactadas pelo rompimento”. Pelo menos um familiar de cada empregado, próprio ou terceirizado, vítima do rompimento, já fechou acordo de indenização, de acordo com a empresa.
Conforme o grupo, foram fechados mais de 8,9 mil acordos de indenização, entre cíveis e trabalhistas, com mais de 17 mil pessoas. Até o momento, ainda segundo a mineradora, foram pagos R$ 3,8 bilhões em indenizações.
Em dezembro de 2024, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) absolveu o ex-presidente da Vale Fábio Schvartsman em relação à tragédia de Brumadinho. Por outro lado, o ex-diretor de Ferrosos e Carvão, Gerd Peter Poppinga, recebeu uma multa de R$ 27 milhões. A CVM concluiu que Poppinga falhou em seu dever de diligência, mas determinou que não seria viável evitar o acidente.
Mariana, dez anos
O colapso da barragem em Brumadinho é considerado o mais grave acidente de trabalho no Brasil, em número de mortos, e o segundo pior desastre industrial do século. Um dos episódios mais impactantes em termos de desastres ambientais na mineração brasileira, perde apenas para o rompimento da barragem em Mariana, também Minas Gerais, em 2015.
A barragem de rejeitos, conhecida como barragem da Mina Córrego do Feijão, pertencia à Vale S.A. e era classificada pela empresa como “de baixo risco” e “com alto potencial de danos”. Essa estrutura armazenava rejeitos de mineração de ferro e estava localizada no ribeirão Ferro-Carvão, na área de Córrego do Feijão, no município de Brumadinho, estado de Minas Gerais.
Construída em 1976 pela Ferteco Mineração, a Barragem I do Córrego do Feijão foi adquirida pela Vale em 2001 e passou por uma série de ampliações feitas por diferentes projetistas e empreiteiros ao longo dos anos.
Como resultado do rompimento, aproximadamente 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos foram liberados. Desses, cerca de 2 milhões de metros cúbicos permaneceram na área da antiga barragem B-I. O ribeirão Ferro-Carvão acumulou 7,8 milhões de metros cúbicos até sua confluência com o rio Paraopeba, enquanto cerca de 2,2 milhões de metros cúbicos chegaram ao rio Paraopeba, fluindo em direção à represa da Usina Hidrelétrica (UHE) de Retiro Baixo, que está entre os municípios de Curvelo e Pompéu.
A tragédia ocorreu quatro anos depois do rompimento da barragem da Samarco Mineração S/A, em Mariana, também em Minas Gerais, que despejou mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério. A lama contaminou a bacia do Rio Doce, atingindo 49 municípios nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo
A lama percorreu 663 km até chegar ao mar. A tragédia causou a morte de 19 pessoas e deixou outras três desaparecidas. A Samarco é uma joint-venture da Vale e da BHP Billiton.
“Fiscalização é feita para não funcionar”, diz autora de livro sobre Mariana
noticia por : UOL