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quinta-feira, janeiro 30, 2025

Quem foi o Capitão Alberto Mendes Júnior, morto por Carlos Lamarca e seu grupo

Mais de 10 mil pessoas acompanharam o velório de Alberto Mendes Júnior, em 10 de setembro de 1970. O cortejo saiu do quartel do Batalhão Tobias de Aguiar, no centro de São Paulo (SP), e seguiu até o Mausoléu da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), no Cemitério do Araçá. O percurso de quatro quilômetros foi realizado em um caminhão dos bombeiros e acompanhado pela banda da PM e pelo governador do estado, Abreu Sodré. O militar foi promovido post-mortem a capitão da PMESP, que havia sido criada naquele ano, com a fusão da Guarda Civil e da Força Pública.

Era a homenagem derradeira a um herói assassinado com crueldade extrema por guerrilheiros da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), de Carlos Lamarca.

Por décadas, a corporação realizou homenagens a Mendes na data da morte dele, 10 de maio. Em 2024 o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), sancionou a lei, proposta pelo deputado estadual Capitão Telhada (Progressistas), que estabelece este como o Dia dos Heróis da PM. Mendes batiza uma rua e duas escolas. O batalhão Tobias de Aguiar também abriga um busto em sua homenagem, onde se lê: “Herói e Mártir da Polícia Militar e do Brasil”. Visitantes que não conhecem sua história, especialmente jovens, comentam que aquele militar parecia ser charmoso.

As homenagens são justificadas. O capitão se sacrificou para salvar a vida de oito companheiros do pelotão que ele liderava durante as ações contra a guerrilha que tentava se instalar no Vale do Ribeira, ao sul de São Paulo. Depois de um confronto aberto, ele e seu grupo foram rendidos pelos terroristas liderados por Carlos Lamarca. Mais de 2500 policiais e militares do Exército, da Força Aérea e da Marinha atuavam na área quando o encontro aconteceu.

Alberto Mendes Júnior se ofereceu para permanecer como refém, desde que seus subordinados fossem libertados – muitos estavam feridos. E assim se fez. Por um dia e meio, Lamarca e seus seguidores seguiram em fuga, levando consigo o integrante das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota). Esperavam que ele conseguisse levantar uma barreira policial, o que não aconteceu. Pressentindo seu destino, Mendes ainda tentou, sem sucesso, colocar as mãos em uma metralhadora, o que lhe permitiria fugir.

E então Lamarca, Yoshitane Fujimori e Diógenes Sobrosa de Souza realizaram um “tribunal revolucionário”, que decidiu pela sentença final. O caso é relatado por Oldack Miranda e Emiliano José na biografia de Lamarca, publicada em 1980. O livro é elogioso ao guerrilheiro, mas ainda assim admite: “A sentença de morte deveria ser cumprida por fuzilamento. Mas os guerrilheiros se viram num impasse; estavam cercados pelas tropas, um tiro localizaria suas posições. Mataram-no a coronhadas de fuzil e depois enterraram-no”.

Em Combate nas Trevas, livro de 1987, Jacob Gorender, historiador marxista-leninista, ex-integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e fundador do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), oferece uma desculpa semelhante, ainda que reconheça que o que aconteceu foi assassinato: “A execução do tenente Alberto Mendes Jr., no Vale do Ribeira, decorreu de uma dessas decisões de situação-limite, que se equilibram no fio da navalha. Não podia ser executado a tiros, pois seriam ouvidos por patrulhas muito próximas. Um tribunal fictício deu à execução o caráter de julgamento. Na verdade, tratou-se de necessidade, duríssima necessidade. O grupo guerrilheiro se condenaria a si mesmo ao aniquilamento, se libertasse o tenente. Este depressa forneceria à tropa perseguidora informações decisivas sobre a composição do grupo, suas armas e munições, velocidade de marcha e provável rota de deslocamento. Repito: duríssima necessidade. Uma questão de quem devia sobreviver”. O primeiro golpe foi dado na nuca. Os demais, no rosto.

Demorou quatro meses para que o cadáver fosse encontrado. Mendes, de 23 anos, tinha o apelido de Português e era conhecido por seu temperamento alegre e amistoso. 

O historiador Sérgio Marques, tenente-coronel da PMESP, estuda as trajetórias dos agentes da lei mortos pelos terroristas. Conhece, por exemplo, o destino da primeira vítima fatal conhecida de Lamarca, o guarda-civil Orlando Pinto Saraiva, que tentou agir contra um assalto a banco e foi alvejado duas vezes. “Orlando tinha uma filha de poucos meses, que nunca conheceu o pai. A mãe dela viveu da pensão que ele deixou. Nunca teve direito às indenizações da Comissão da Verdade que atenderam aos familiares dos guerrilheiros”, ele relata.

Marques descobriu que, entre as vítimas dos militantes, estavam principalmente jovens militares e policiais de baixa patente e guardas de bancos. “Eram pessoas simples, muitas delas vindas do interior, classes C e D. E morreram pelas mãos de militantes, que na maior parte das vezes eram universitários e profissionais liberais de classe média alta. Os terroristas matavam representantes do próprio povo que diziam defender, em nome da ditadura do proletariado. Mas não se consideravam assassinos: roubo era chamado de ‘desapropriação’, morte era ‘justiçamento’”.

Morte covarde

Alberto Mendes Júnior nasceu em São Paulo (SP), em 24 de janeiro de 1947. Assim que terminou o ginásio, em 15 de fevereiro de 1965, alistou-se na Força Pública. Ele havia sido aprovado em todos os exames obrigatórios e se classificado no concurso para ingresso no Curso Preparatório de Formação de Oficiais.

Depois de abandonar o Exército, em janeiro de 1969, o guerrilheiro já havia liderado assaltos a banco, utilizando os fuzis que roubou do 4º Regimento de Infantaria, no distrito de Quitaúna, em Osasco (SP). O objetivo principal era efetivar a guerrilha rural, nos moldes cubanos – seu principal ídolo era Che Guevara. A aventura no Vale do Ribeira durou poucas semanas. Entre 16 e 18 de abril de 1970, as prisões de dois militantes da VPR, Celso Lungaretti e Maria do Carmo Brito, levaram à informação sobre os planos do capitão desertor.

O que se seguiu, no Vale do Ribeira, foi uma série de conflitos com o pequeno grupo de guerrilheiros. Alguns foram presos, muitas vezes graças a denúncias de moradores, que não entendiam nem apoiavam a luta armada de cunho cubano. Houve até quem não conseguisse acompanhar o ritmo de marcha do grupo e fosse deixado para trás. Em 31 de maio, Lamarca e dois colegas chegaram à Marginal Tietê, em São Paulo (SP). Haviam escapado. E deixado para trás uma pilha de mortos e feridos. Foi ao longo dessa fuga que Júnior perdeu a vida de forma violenta e covarde.

No dia 8 de maio, os sete terroristas que haviam escapado até então estacionaram uma camionete em um posto de gasolina em Eldorado Paulista. Os policiais que abordaram os veículos foram alvejados pelos fuzis que Lamarca havia roubado do próprio Exército. Foi quando o tenente Mendes organizou uma patrulha com duas viaturas. Na mesma data, por volta das 21 horas, aconteceu entre os municípios de Sete Barras e São Miguel Arcanjo o encontro com os guerrilheiros, que novamente atiraram sem aviso prévio. O grupo inimigo parecia ser maior do que de fato era.

Os feridos seguiram para Sete Barras, enquanto Mendes, detido pelos guerrilheiros, começou a caminhar com eles mata adentro, com os pulsos amarrados às costas. Quem desferiu os golpes, no dia 10, foram Fugimore e Sobrosa – o segundo era militar e havia deserdado junto com Lamarca. Apenas em oito de setembro, quando outro terrorista (Ariston Lucena) foi preso, é que a localização do corpo acabou por ser descoberta.

Fugimore foi preso e morreu em dezembro de 1970. Lamarca acabou sendo cercado e baleado no sertão da Bahia, em setembro de 1971. Detido em setembro de 1970, no Rio Grande do Sul, Sobrosa passou a década na prisão e foi liberado pela anistia de 1979, quando Lucena também obteve a liberdade.

Dias depois, a própria VPR admitiu o assassinato com um comunicado

“Foi julgado e condenado por ser um repressor consciente, que odiava a classe operária – por ter conduzido à luta seus subordinados que não tinham consciência do que faziam, iludidos em seus idealismos de jovens, utilizados como instrumento de opressão contra o seu próprio povo, iludindo os jovens, ensinando-os a amar a farda, quando deveriam amar o povo – por ter rompido com a palavra empenhada em presença de seus subordinados – por ter tentado denunciar a nossa posição. A sentença de morte de um Tribunal Revolucionário deve ser cumprida por fuzilamento. No entanto, nos encontrávamos próximo ao inimigo, dentro de um cerco que pode ser executado em virtude da existência de muitas estradas na região. O tenente Mendes foi condenado a morrer à [sic] coronhadas de fuzil, e assim o foi, sendo depois enterrado.”

Família esfacelada

O desaparecimento do capitão Mendes Júnior representou um golpe profundo para sua família. Seus pais, Alberto Mendes e Angelina Plácido Mendes, nunca se recuperaram completamente da perda do filho, que admirava a corporação por influência de tios que já seguiam carreira. Para aumentar ainda mais o impacto da perda, o capitão tinha uma noiva.

Pintor de paredes, nascido no Tucuruvi, zona norte da capital paulista, o pai, Alberto faleceu em 2014. Ao longo de toda a vida, ele participou de todas as solenidades que homenagearam seu filho. Alberto tinha origem portuguesa – daí o apelido do filho. O pai do capitão condecorou pessoalmente oito dos agentes que sobreviveram graças a Mendes. A mãe do capitão também é falecida.“Durante muito tempo o luto na minha família não acabou. Minha mãe passou anos conservando o quarto do meu irmão como ele deixara”, declarou o irmão, Adauto, para uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada por ocasião do falecimento do pai. A data em que o capitão Mendes foi assassinado, 10 de maio de 1970, era Dia das Mães.

noticia por : Gazeta do Povo

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