Os anos passam, nós crescemos e nada muda: só trocamos de monstros. Se na infância eles estão embaixo da cama e dentro do armário, na vida adulta podem estar até em cima do colchão, dormindo abraçado conosco. Nesse universo de alta complexidade, há alguns heróis que já me tiraram de sérios apuros.
Quando tive a minha primeira crise de fobia, respirar fundo era pouco. Foi preciso que uma doutora descesse dos céus da medicina segurando seu bastão de Asclépio. Num cenário em que a catástrofe se encontrava dentro de mim, o superpoder de prescrever uma receita azul e domar a tempestade errática dos neurônios salvou meu dia, minha semana, meu emprego. Também foi heroica, anos depois, a sua atitude de dizer “agora, chega. Você está bem” e tirar o remédio, fazendo com que, por um momento, mesmo que por apenas um momento, eu me sentisse a própria heroína.
E um belo dia o divórcio chega para muitos dos mortais. E, com ele, o litígio. A pensão alimentícia. O medo de perder a guarda. Assustada, agarrada ao menor em disputa, tentando decifrar as ininteligíveis petições, os herméticos artigos, e vendo se aproximar o vulto do juiz com sua capa preta e seu martelinho, de repente sou salva por uma heroína de sapatos de salto e tailleur. Ela chega na companhia de seus indefectíveis honorários, mas não importa. Esvaziei o bolso sorrindo ao vê-la interceptar, com seu escudo jurídico, os mísseis que caíam no meu jardim.
E falando em jardim, lá vem a outra heroína apertar a campainha, sempre na hora certa. Salvar a pele dos outros sem esperar recompensa é o poder da melhor amiga, essa paladina que toda mulher precisa ter, especialmente em um planeta cujas tarefas domésticas sempre recaem sobre as mesmas ancas. É contra a Liga dessa Injustiça que ela atua, quebrando toda sorte de galhos e gravetos, além de retirar dos nossos ombros o peso do mundo com um abraço ou piada certeira.
E, como nem só de problemas domésticos vive a miséria humana, também chega o dia em que as costas travam. Toda uma liga é acionada, do osteopata ao ortopedista, mas quem salvou minha retidão foi um herói que mal falava a minha língua. Celvical? foi tudo o que eu entendi, antes de ele me derrubar e avançar com seu exército de agulhas sobre os meus meridianos, liberando a minha retraída-pelo-capitalismo musculatura.
A conta por estar tão heroicamente assessorada também chega e, muitas vezes, o inimigo é o vermelho. Ou ainda pior: o crédito rotativo. Então entra em cena o último paladino dessa despretensiosa galeria. Aquele herói que —não adianta gritar!— nunca vem até você. Aquele que você precisa ligar, mandar mensagem, perseguir, bater na porta de surpresa. E depois disso comover, fazer drama, biquinho. Também conhecido como parente ou amigo rico, seu superpoder é sempre ter grana, e sua maior frustração não poder esconder isso. Não se constranja se um dia tiver que apelar para ele. Ou para qualquer outro desses heróis. Na aventura radical de amadurecer sobre a Terra, só prescinde de ajuda quem não está vivo.
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noticia por : UOL