quarta-feira, 4, junho , 2025 11:53

Novo licenciamento ambiental pode reduzir proteção de florestas mais preservadas da mata atlântica

Uma emenda ao projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental no país reduz a proteção da mata atlântica e permite a autorização do corte de vegetação por estados e municípios de forma independente, sem o aval de mais de um órgão. O Senado aprovou a proposta no último dia 21 e o texto aguarda análise na Câmara.

A medida, apresentada pelo senador Jayme Campos (União Brasil-MT), revoga dois parágrafos do artigo 14 da Lei da Mata Atlântica, que trata da derrubada de matas primárias e secundárias —as florestas mais preservadas do bioma. Pesquisadores consultados pela Folha criticam a emenda e afirmam que a mudança abre margem para prefeituras sem capacidade técnica autorizarem o desmatamento.

“Nem todos os municípios têm equipes de profissionais competentes para trabalhar com o licenciamento ambiental. No poder local, as pressões econômicas são muito mais diretas que nos órgãos estaduais e federais. É possível que as prefeituras cedam mais facilmente aos pedidos de supressão de vegetação”, diz Leandro Andrei, professor de planejamento ambiental na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Na justificativa da emenda, Campos afirma que a medida é necessária para trazer harmonia entre a Lei da Mata Atlântica e o projeto do novo licenciamento ambiental aprovado pelo Senado. A reportagem procurou o senador por email e telefone. Não houve retorno até a publicação deste texto.

O PL 2.159/2021 não exige o aval de mais de um órgão no processo de autorização de empreendimentos que podem causar impacto ao meio ambiente.

“O perigo é tirar a anuência cruzada, a possibilidade de mais de um ente federativo participar do processo de autorização de desmatamento, tendo uma perspectiva externa em relação àquela ação que pode ou não ser executada. A mudança pode desestruturar o arcabouço protetivo construído para o bioma”, diz Andrei.

André Lima, secretário extraordinário de controle do desmatamento e ordenamento ambiental territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, afirma que a emenda retira a competência do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) de ser consultado na autorização do corte de matas primárias.

“Isso é matéria de interesse, sobretudo, do setor de mineração, que quer autorizações estaduais ou municipais de supressão de vegetação sem que o Ibama se manifeste”, afirma o secretário.

Segundo Lima, as mudanças podem acelerar a expansão urbana nas porções mais preservadas da mata atlântica.

“Mesmo que seja um empreendimento de competência do município, ele deve ouvir os estados, pois pode ser que aquele remanescente de vegetação tenha importância, represente um corredor de biodiversidade que transcenda um único município”, diz Lima.

Em nota, o Ibama afirma que não avaliará os impactos da emenda antes da aprovação definitiva do PL 2.159/2021.

Para Jean Metzger, professor de ecologia na USP (Universidade de São Paulo), a mudança na lei comprometeria as metas apresentadas pelo Brasil no Acordo de Paris, tratado assinado em 2015 que prevê a redução das emissões de gases do efeito estufa. A preservação de florestas é uma das formas principais de combater os efeitos das mudanças climáticas.

O pesquisador diz que a emenda retira a proteção adicional em relação ao Código Florestal —a legislação específica da mata atlântica tem exigências mais rígidas para o corte de vegetação em comparação ao regramento que abrange todos os biomas.

“O que sustenta a Lei da Mata Atlântica é justamente o fato de ela ir além do Código Florestal e tornar ainda mais restrito o desmatamento. A emenda ao projeto do licenciamento decapita a proteção das florestas maduras e muda completamente o procedimento pelo qual é permitido o corte dessa vegetação”, afirma Metzger.

Os serviços ecossistêmicos prestados pelo bioma também estão ameaçados com a mudança na lei, segundo o professor. “Serão afetadas justamente as florestas que acumulam biodiversidade, têm estoques de carbono, estão estabilizadas em encostas e topos de morro, protegem os mananciais e reduzem as ondas de calor e a poluição do ar no ambiente urbano”, diz.

De acordo com Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, restam 24% da cobertura original do bioma, sendo que 12% são as matas primárias e secundárias, áreas afetadas pela emenda ao projeto de lei.

“Mais de 70% da população brasileira mora em regiões de mata atlântica. As mudanças na lei vão impactar a vida da população, a disponibilidade de água para as cidades e para a produção de alimentos. Estamos falando das encostas da região serrana do Rio de Janeiro, da Serra da Mantiqueira, das cabeceiras do rio São Francisco. São áreas extremamente produtivas e que dependem da floresta”, diz Ribeiro.

Para ela, a medida é um golpe ao bioma mais devastado do país. “É uma floresta que teima em continuar existindo contra todos os ataques que vem sofrendo desde que os portugueses chegaram no Brasil”, afirma.

noticia por : UOL

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