domingo, 8, junho , 2025 01:33

Maior proporção de religiões afro no RS é resposta a apagamento de identidade negra, dizem especialistas

O Rio Grande do Sul tem a maior proporção, entre os estados e o Distrito Federal, de adeptos de religiões de matriz africana. A parcela é o triplo da média nacional, de 1%, chegando a 3,2% da população gaúcha com 10 ou mais anos de idade, segundo dados do Censo 2022 divulgados na sexta-feira (6).

Algumas das hipóteses para esses números passam pela existência de muitos grupos e núcleos tradicionais no estado, além de uma mobilização contra o que seria um apagamento da população negra, que representa um quinto dos 10,9 milhões de habitantes em solo gaúcho.

Em números absolutos, foram 306.493 pessoas com 10 ou mais anos de idade que declararam ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) fazer parte de alguma dessas religiões, agrupadas na categoria de candomblé e umbanda.

No país como um todo, 1.849.824 pessoas afirmaram ser adeptas dessas religiões. Dessas, 42,9% eram brancos, 33,2% eram pardos e 23,2%, pretos. No total da população brasileira, pardos são 45,3%, seguidos por brancos (43,5%) e pretos (22,5%).

Autodeclarados brancos são a maior parte dos seguidores da Umbanda e do Candomblé no Distrito Federal e em sete estados: Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Na Bahia, pretos são predominantes. Nos outros estados a predominância é de pardos.

É na cidade de Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre, que está a maior proporção de habitantes que se declararam adeptos de religiões de matrizes africanas, com 9,3% da população de 224.112 pessoas. Entre os 50 municípios no Brasil com mais praticantes, 42 estão no Rio Grande do Sul.

Parte da explicação para essa proporção está em movimentos como uma extensa campanha, batizada de “Quem é de Axé diz que é”, realizada antes do recenseamento de 2010 para incentivar mais respostas. Não foi um movimento isolado, segundo o presidente do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul, o babalorixá Baba Diba de Iyemonja.

“Em 2014 nós conseguimos consolidar um conselho de direitos para o povo de terreiro, isso mobilizou mais de 5.000 terreiros em todo o estado, de diversas regiões, para uma conferência. Foi o primeiro estado a fazer isso e a apontar para políticas públicas.”

“A gente estima que haja 65 mil terreiros no estado, estamos fazendo um trabalho de mapeamento disso. É muito terreiro. Tu não dorme à noite aqui na capital gaúcha sem ouvir, lá no fundo, o som dos tambores. Isso faz parte do cotidiano do Rio Grande do Sul.”

Porto Alegre também é o berço do Dia da Consciência Negra, criado em 1971 pelo escritor e ativista Oliveira Silveira (1941-2008) em homenagem a Zumbi dos Palmares. A data seria um meio de registrar e incentivar a memória da contribuição afro-gaúcha para a identidade nacional.

Esses movimentos também se voltam para o passado do Rio Grande do Sul. Segundo o pesquisador Erico Carvalho, doutor em antropologia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), a autoafirmação refletida nos números é uma resposta à invisibilização da população negra no estado.

“Nos anos anteriores ao Censo de 2010 já havia todo um movimento para que afro-religiosos se declarassem. É um sintoma dessa reação que essa população teve, que foi se afirmar por ser invisível aos olhos do estado. Isso deu bons frutos, porque cresceu agora no Censo e como um todo no país.”

Essa invisibilização faz parte da construção da identidade do povo gaúcho, representada no discurso oficial por um homem branco a cavalo e que cuida do gado, diz Erico. “Podemos observar que os símbolos são a imigração alemã, a italiana, dos [portugueses] açorianos e que havia um discurso de que os negros escravizados estavam em menor número e que seria uma escravidão mais branda, quando foi, na verdade, tão intensa quanto em todo o Brasil.”

A imigração de populações brancas, afirma Carolina Rocha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião, serviu para “branqueamento da população”. Ela também cita hipóteses da autoafirmação de identidade, incluindo a religião, como um contraponto ao apagamento dos negros no estado.

O Rio Grande do Sul é considerado o berço do batuque, religião afro-brasileira com origem em meados do século 19, diz à Folha o babalorixá Gamby Ty Sagó, presidente da Federação Afro-Brasil.

Segundo ele, essa tradição pode ter impulsionado a declaração de pertencimento a uma fé de matriz africana, apesar de ainda existir um sentimento de coação ligado à intolerância religiosa. “A pessoa prefere optar por uma coisa que não faça você olhar com olhos tortos. Isso infelizmente acontece.”

A importância da defesa dessa identidade, segundo Baba Diba, e a criação de um conselho para a garantia de direitos dos povos de terreiro, também ficou evidente na hora de reivindicar reconstrução e ajuda aos terreiros destruídos nas chuvas que atingiram o estado no ano passado.

Para Erico, outros reflexos dessa mobilização são movimentos como a Marcha pela Vida e pela Liberdade Religiosa, surgida contra a intolerância. “Foi encabeçada por batuqueiros e outros afro-religiosos que afirmam sua presença no espaço público.”

A necessidade de mostrar a existência desses grupos também pode ter sido uma resposta à polarização política, diz o pesquisador. “Essa sensação de perigo que o bolsonarismo trouxe para a cultura negra pode ter forçado muitas pessoas a tomarem uma postura sobre essa questão, assim como em outras.”

noticia por : UOL

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