O Festival de Berlim começou com neve, cada vez mais rara na cidade. “Sinal de sorte”, afirmou Tricia Tuttle, diretora do festival, ao apresentar seu júri nesta quinta-feira (13). Encabeçado pelo americano Todd Haynes, porém, o grupo espera tudo menos sorte diante do quadro político mundial. “Resistência” foi a palavra mais repetida do evento.
Haynes teve apenas um momento inicial de descontração, quando perguntado se já havia assistido à nova cinebiografia de Bob Dylan, “Um Completo Desconhecido“, lançada em Berlim. Ele é o diretor de “Não Estou Lá”, de 2008, versão bem mais radical, com seis atores interpretando o compositor. “Confesso que ainda não vi, mas, se há uma mensagem em meu filme, é a de que existem muitos Dylans. E há espaço para muitos mais”, declarou, provocando risos dos colegas e dos jornalistas.
A conversa, no entanto, logo foi parar em Donald Trump, que o cineasta descreveu como sintoma de um “estado particular de crise” nos Estados Unidos e também globalmente. “Estamos assistindo a essa avalanche de ações nas primeiras semanas de gestão. Preocupa muito. Acho que faz parte da estratégia criar uma sensação de instabilidade, choque, pois as pessoas têm muito receio da situação econômica. Temos que procurar formas de resistência dentro do nosso setor.”
Antes mesmo de assumir os trabalhos do júri, Haynes já disparava contra o presidente americano. Em entrevista ao jornal alemão Die Zeit, o diretor citou Leni Riefenstahl quando perguntado qual seria a forma adequada de captar o momento atual dos EUA.
A referência à cineasta preferida de Adolf Hitler vai além da questão estética. O quanto a sombra de Trump influenciará o financiamento do cinema americano, sobretudo o independente, preocupa Haynes. “Esta é uma pergunta que a indústria terá que responder. Precisamos ver quem vai querer correr riscos, quem vai apoiar as vozes mais fortes”, afirmou. “Teremos que ter bons exemplos para fortalecer os que vão se arriscar nesses financiamentos.”
Rodrigo Moreno, diretor argentino de “Os Delinquentes”, integrante do júri, contou então o que é estar há mais de ano sob uma administração populista, a de Javier Milei. “Somos governados por um cara maluco, totalmente fascista, que diariamente solta frases contra gays, cientistas, educadores e cineastas. É um pesadelo”, descreveu. “Até o ano passado, tínhamos uma lei forte, que nos permitia fazer muitos filmes, semelhante ao sistema francês. Foi isso que nos permitiu fazer este cinema argentino bonito e renovado nas últimas décadas. Agora, tudo foi cortado. No ano passado, nenhum filme foi produzido pelo Instituto Nacional de Cinema, uma tragédia.”
“Vamos continuar fazendo filmes de algum jeito, até com celular, se for o caso. Porém para muitos não há alternativa. Trabalhadores, idosos, pessoas pobres, contingente que cresce todos os dias na Argentina. Esse é o problema real do país.”
O extremismo na Alemanha também entrou na discussão. Representante local no júri, Maria Schrader falou da importância do festival como espaço de intercâmbio. “Ter milhares de pessoas entrando e saindo do cinema, vivenciando outros pensamentos e reflexões é muito importante. Perceber o diferente é importante. Isso me dá otimismo.”
Quase na mesma hora em que a diretora de “Ela Disse” falava, um motorista jogava o carro contra dezenas de pessoas que participavam de uma manifestação de greve em Munique. Segundo os primeiros relatos, um novo episódio protagonizado por imigrante, o que eleva ainda mais a temperatura da eleição parlamentar da próxima semana na Alemanha. Com discurso anti-imigração, a AfD, o partido de extrema-direita, caminha para obter um resultado inédito.
noticia por : UOL