A RFI Brasil ouviu vítimas e seus familiares, que temem que o acusado seja solto e continue a molestar outras crianças. Edi Maikel dos Santos Silva, de 37 anos, é natural de Belém e chegou a atuar como pastor em uma pequena cidade francesa. 51 Homens são condenados por abuso sexual na França
⚠️ Aviso: essa reportagem contém depoimentos fortes
Há dois anos e meio, Edi Maikel dos Santos Silva está preso preventivamente na França, de acordo com decisão do Tribunal de Annecy, no sudeste do país. Pelo menos oito vítimas prestaram queixa à Justiça e relataram ter sido agredidas pelo acusado, ao longo dos últimos 20 anos.
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Camilla Araújo de Souza é sobrinha do acusado. O que não impediu os abusos, que começaram quando ambos moravam na Guiana Francesa, em 2002. Hoje, aos 28 anos, ela lembra das primeiras agressões.
“Tudo começou quando eu tinha seis anos, ele veio morar com a gente durante um tempo e foi a primeira vez que aconteceu”, diz.
“Minha mãe surpreendeu a gente, ele tentando esfregar o pênis dele no meu bumbum. E quando a minha mãe viu isso, eu achei que ela iria brigar com ele mas, na verdade, ela me bateu e brigou comigo”, relata.
“Ele é meu tio, irmão da minha mãe. Depois disso, os meus pais se separaram e a gente morou com a minha avó, depois com a minha tia. Quando a gente estava na minha avó, ele tentou fazer de novo. Mais uma vez tentando esfregar o pênis dele em mim”, conta.
Ja morando na França, o assédio continuou. “Ele veio com um papo para cima de mim dizendo que uma mulher tem uma ‘capinha’ na vagina, que precisa tirar isso e se não for uma pessoa que tire, tem que ir no médico fazer uma cirurgia, que todas as mulheres passam por isso e que ele queria fazer isso comigo”, diz.
“E eu caí no papo, foi assim que começaram as penetrações do pênis dentro da vagina, quando eu tinha 12 ou 13 anos. E depois disso, eu voltei para casa e, sempre que não tinha alguém por perto, ele tentava algo. Me chantageava (dizendo) que ia se matar se eu não fizesse tal coisa”, continua.
“Ele me seguia, sabia os meus horários, uma vez me pegou de canto, com uma faca na mão, e disse que se eu não fugisse com ele para Lyon, iria se matar. E eu com medo acabei indo, porque a gente fica pensando: ele é tio, mais velho, tem que obedecer. Nisso, quando a gente estava em Lyon, eu fiquei um tempo sem menstruar e deu positivo”, lembra a jovem.
A gravidez não se confirmou em um segundo exame, mas o trauma estava longe do fim. A RFI teve acesso a exames psicológicos feitos na vítima no âmbito do inquérito, que apontam “manifestações massivas de stress pós-traumático”, “sofrimento persistente”, “crises de ansiedade”, “medo” e “sentimento de culpa”.
Hoje, mãe de um casal de filhos, Camila teme pelo futuro. “O meu maior medo é de acontecer a mesma coisa, principalmente com a minha filha”, diz.
“O que mais me revolta é você falar que é cristão, que acredita em Deus, mas não assume o que fez, então não está arrependido”, lamenta.
“Me revolta muito o fato de ele falar que nunca aconteceu nada, que ele nunca teve desejo por adolescentes, por crianças, sendo que ele deixou trauma em todas nós, em mim, nas minhas primas. O que mais me revolta é ele não assumir e ainda ter gente que ajuda”, desabafa.
Foi outro tio de Camila que insistiu na denúncia. A RFI conversou com Fabrício Cordeiro Brasil, que imediatamente percebeu o comportamento suspeito do ex-cunhado, que na época chegou a fugir com a menina.
“Eu falei que isso não é normal. Ele é uma pessoa de maior. Ela tem 13 anos, isso se chama pedofilia, incesto. E vocês não têm o direito de esconder isso. Nem a mãe e nem vocês as tias”, relembra.
Porém, foi somente quando descobriu que as próprias filhas também haviam sido molestadas, que Fabrício pôde denunciar Edi Maikel. Assim como Camila, outras primas dela confessaram terem sido abusadas.
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‘Nunca pensei que ele seria capaz de fazer isso’
O brasileiro Edi Maikel dos Santos Silva está preso na França há dois anos e meio, acusado de abusos e agressões sexuais contra menores de idade
Arquivo Pessoal/Fabrício Cordeiro Brasil
Kissia era uma criança na época. “Eu era pequena, tinha cinco ou seis anos, morava na Guiana Francesa e, nessa época, o meu tio Edi Maikel morou com a gente em um estúdio e ele dormia na mesma cama que eu. Todas as noites, eu me acordava com a mão dele na minha calcinha”, revela.
“Ele era um tio que eu amava muito, eu nunca pensei que ele seria capaz de fazer isso. E que não era só com a gente, mas eram muitas pessoas. Ainda mais que ele era pastor e trabalhava com crianças”, afirma.
“Nesse caso o que me chocou mais nem era ele, mas a minha mãe que não acreditou em mim e que fica até hoje defendendo ele”, acrescenta.
Em novembro, Edi Maikel pediu liberdade condicional, mas a Justiça negou. Um alívio temporário para as vítimas, como Kissia, que aguarda apreensiva o julgamento definitivo.
“Não ter essa certeza que ele vai ficar na prisão indefinidamente, tem essa insegurança que ele possa sair e que a justiça não acredite na gente. E tem também essa dor, esse sentimento de que a nossa própria mãe e a família do lado dos Santos Silva não acreditam na gente, isso machuca muito, até hoje”, lamenta a jovem.
A irmã dela, Victoria Cordeiro, também conta ter sido abusada pelo tio. Foi em 2009, quando a família passava uma temporada no Brasil. Na época, a menina tinha quatro anos. Ela lembra de ter contado os fatos para a mãe, a irmã do agressor, que segundo ela nada fez a respeito. Somente aos 17 anos, a jovem tomou coragem para falar sobre o assunto.
“Enquanto os outros dormiam, eu fui ao banheiro e Edi Maikel me seguiu. Eu pedi a ele para me ajudar, ele pediu que eu me virasse de costas e começou a me tocar de forma estranha nas partes íntimas. Foi desagradável, mas aos 4 anos, eu não sabia o que acontecia. Ele não parou, fazia coisas atrás de mim, apesar de eu chorar. Quando ele terminou, mandou eu me calar e me deu um pirulito para eu me conter.”
Hoje, aos 20 anos, Victoria ainda sofre com essas memórias. “Até hoje, é um choque para mim. Esse homem que se faz passar por um pastor e que é um pedófilo. É insuportável, não tenho outra palavra”, completa.
“Eu me sinto decepcionada, com raiva, traída, como todas as vítimas. Me sinto destruída, frustrada, desesperada, sobretudo. É uma mistura de todos esses sentimentos”, conclui a vítima.
Enteada também denuncia agressão
A reportagem também entrevistou a ex-mulher de Edi Maikel. Mayra Angela Silveira Vieira já tinha uma filha, Marjorie, quando passou a viver com o acusado.
“A gente era casado havia onze anos. Quando a gente se conheceu, a Marjorie tinha quatro anos e, logo em seguida, já chamou ele de pai”, contextualiza.
“Era essa a relação de pai e filha. E quando ela tinha 15 anos, isso veio à tona. O comportamento dela estava bem diferente. Havia muito ciúme da parte dele, uma possessão. Nessa época eu me separei dele e percebi que, durante uns três meses, ela ficou muito feliz, radiante”, relata.
Ao estranhar o comportamento da filha, Mayra resolveu investigar. “Alguma vez ele já te faltou respeito, ele te desrespeitou?”, perguntou a mãe.
“Aí, ela baixou a cabeça e começou a chorar. Não queria falar. Eu insisti e ela só chorou e disse que sim. Eu perguntei quando foi a primeira vez e ela disse que tinha 5 anos. Perguntei quando foi a última, ela disse: foi quarta-feira passada. Ou seja, ela vivia isso durante 10 anos”, calcula.
“Eu pensei que eram só toques, carícias, mas a irmã dele falou: não foi só isso. Teve outras coisas mais sérias”, explica.
Mayra conseguiu uma confissão do ex-marido, em um vídeo. A conversa foi gravada no âmbito de uma formação que ambos faziam para ser psicanalistas.
“Aí foi quando ele, no vídeo, confessou. Foi uma peça fundamental, a polícia recebeu este vídeo traduzido. Nesse mesmo dia, eu mandei ele sair de casa e falei: se você não sair por espontânea vontade, eu vou denunciar.”
A conclusão do exame psicológico feito pelo Tribunal de Annecy em Marjorie Vieira Palheta, hoje com 18 anos, não deixa dúvidas sobre os transtornos provocados no desenvolvimento da jovem. Ela afirma “ter medo de homens” e que o padrasto agia como se tivesse “dupla personalidade”.
Ela sofre de insônia, tem pesadelos e não suporta a vergonha pelo ocorrido. A mãe dela busca justiça. “Isso de certa forma me matou, porque depois disso eu nunca mais fui a mesma pessoa”, afirma Mayra.
Interrogado pelo juiz, Edi Maikel diz não se lembrar dos fatos e ter sido vítima de amnésia após uma queda. Ele nega ter tido relações sexuais com as vítimas. O acusado também passou por exames psicológicos, em novembro passado. No laudo, ao qual a RFI teve acesso, ele revela ter sofrido agressões sexuais por três adolescentes, quando tinha entre seis e sete anos, e ter sido vítima de maus tratos da madrasta. Edi Maikel alega ainda ser vítima de um complô e de mentiras.
A RFI Brasil entrou em contato várias vezes com o advogado do acusado, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
O que prevê a Justiça francesa
O Palácio da Justiça em Lyon, na França
Robert Pratta/Reuters
A advogada de defesa das vítimas, Sylvie Correia, explica que os depoimentos delas serão fundamentais para uma possível condenação. “Não temos nada provado. Em casos de estupro e agressões sexuais, em 99% dos casos, é a palavra de um contra a palavra de outro, porque não tem ninguém presente no momento dos fatos”, diz.
“O que vale neste caso, é que tem muitas pessoas que não se conhecem e que se queixam da mesma coisa. Ou seja, é o número de vítimas que vai fazer com que realmente o juiz preste atenção”, acrescenta.
Caso seja condenado, Edi Maikel pode pegar até 20 anos de prisão, já que a legislação do país prevê penas mais duras quando há agressão de membros da própria família.
“Isso na França é uma circunstância agravante, pois se considera que o padrasto, o pai, o tio tem autoridade sobre a vítima e, então, é mais grave perante a justiça”, explica a advogada Sylvie Correia.
“Ele tem aquele jeito de dizer que é bom, falar muito de Jesus, falar de Deus e as pessoas acreditam nele. Ele é muito bom falador. Foi assim que conseguiu enganar a todos”, conclui.
Edi Maikel dos Santos Silva continuará em prisão provisória até o mês de maio, quando poderá recorrer novamente. Para a Justiça francesa, essa é a única forma de evitar que ele possa pressionar as vítimas, prejudicar a investigação ou mesmo fugir para o Brasil.
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Fonte: G1
Ex-pastor brasileiro está preso na França acusado de abuso sexual contra menores e estupro incestuoso
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