Neste domingo (9), a população do Equador irá às urnas para eleições presidenciais e legislativas pela terceira vez em apenas quatro anos, em um cenário sem precedentes para o país da América do Sul que se tornou rota estratégica de escoamento do narcotráfico.
No poder há menos de um ano e meio para exercer um controverso mandato-tampão, o milionário Daniel Noboa é o atual favorito e pode garantir sua reeleição. Tudo indica, porém, que o cenário mais provável seja o de um segundo turno contra Luisa González, nome da esquerda e pupila do ex-líder Rafael Correa (2007-2017).
Não bastasse o agravamento recorde da violência, que fez a taxa de homicídios intencionais quintuplicar em apenas três anos, de 7,8 crimes por 100 mil habitantes em 2020 para 46,2 em 2023, no ano passado o país se tornou palco de uma crise energética histórica.
Com uma matriz elétrica que depende mais de 70% de suas centrais hidrelétricas —outrora a menina dos olhos de ouro na região em busca de uma fonte renovável mas hoje um modelo diretamente afetado pela emergência climática—, o país viu o suprimento de energia ruir com a seca. Por meses, a população vivenciou apagões diários de 4 a 14 horas.
Não é algo de menor importância em relação à segurança pública. Se por um lado a violência impulsionada pelo narcotráfico levou a um êxodo recorde de equatorianos para outros países, por outro a crise energética fez muitos perderem seus empregos, a ponto de o desemprego figurar como a maior preocupação geral em pesquisas.
Estima-se que a economia local tenha perdido US$ 18 milhões, cerca de R$ 105 milhões, apenas entre setembro e outubro devido aos apagões, segundo a Câmara de Comércio de Quito. O país decretou recessão econômica, e mais de 263 mil vagas de emprego pleno, como chamam o emprego digno, com um salário que permite ao trabalhador se sustentar, foram perdidas.
É diante desses dois desafios principais que dois candidatos se destacam para tentar devolver aos equatorianos a ideia de que esse é, sim, um país onde ainda há perspectiva de construir a vida.
Por um lado, Daniel Noboa, herdeiro de um dos homens mais ricos do país, cuja fortuna provém do setor bananeiro, e eleito em 2023 para governar por um ano e meio após o então presidente Guillermo Lasso, acusado de corrupção, implodir o governo e chamar eleições.
Linha-dura, Noboa se dizia de centro-esquerda, mas na prática governou à centro-direita no curto mandato, em meio a acusações de uma guinada autoritária na gestão.
Por outro, Luisa González, ex-deputada e pupila de Rafael Correa, o político que vive asilado na Bélgica e foi condenado por corrupção. Se surpreendesse e conseguisse chegar ao cargo, a líder de esquerda seria a primeira mulher a fazê-lo no Equador.
Na última pesquisa em domicílio da consultoria Cedatos, realizada em 30 de janeiro, Noboa liderava com 48,3% das intenções de voto válido, atrás de González, com 32,2%. A margem de erro é de 2,2 pontos.
É um raro levantamento que sugere que o hoje presidente poderia ganhar ainda em primeiro turno. Para fazê-lo, é preciso obter mais de 50% dos votos ou, então, ao menos 40%, neste caso com uma diferença mínima de dez pontos em relação ao segundo colocado.
Noboa adotou uma política rígida de combate ao crime e apostou na militarização da segurança pública. Completou-se recentemente um ano desde que o presidente decretou situação de conflito armado interno, figura jurídica que amplia as capacidades de seu governo de agir. Diferentes partes do país ainda vivem sob regime de estado de exceção. Os resultados vieram, mas de forma tímida.
O número geral de homicídios intencionais apresentou redução de 16% no ano passado, até que o último mês de janeiro trouxe um lembrete aterrador: o mês foi o mais violento ao menos desde 2014, com cerca de 750 homicídios, 56% a mais do que em janeiro de 2023.
Junto a isso, escalaram as denúncias de violação de direitos humanos diante da estratégia de militarizar tarefas de segurança que outrora cabiam a policiais civis. Organizações de direitos humanos e familiares calculam que houve 16 casos de desaparecimentos forçados de pessoas que haviam sido detidas por patrulhas militares ao longo de todo 2024.
Na virada deste ano, um novo crime coroou os temores de violações de direitos. Os corpos de quatro adolescentes que tinham sido detidos por soldados três semanas antes e estavam desaparecidos desde então foram encontrados carbonizados próximo a uma base militar na região portuária de Guayaquil, a mais violenta do país. É no litoral que, em geral, concentram-se essas violações.
Nesta década, o Equador se tornou ainda mais importante para o envio de cocaína dos vizinhos Colômbia e Peru, grandes produtores mundiais da matéria-prima coca, para a Europa, o México e a América Central. E, nos últimos anos, a situação foi agravada pela atuação das máfias dentro das cadeias, com cenas de massacre repetidas.
Pelos últimos três anos, milhares de famílias equatorianas viram nos Estados Unidos a sua alternativa. O Equador se tornou uma das principais origens de imigrantes que, sem autorização americana, partiam para o país por ar e por terra.
A rota já vinha minguando no último semestre de Joe Biden no poder. Agora, com o retorno do radical Donald Trump, há pouca esperança para quem não consegue mais sobreviver na terra natal.
Três eleições presidenciais em quatro anos
- Fevereiro e abril de 2021: 1º e 2º turno que deram vitória a Guillermo Lasso
- Agosto e outubro de 2023: 1º e 2º turno que deram vitória a Daniel Noboa
- Fevereiro de 2025: 1º turno presidencial com Noboa e Luíza González favoritos
noticia por : UOL