Um poema de Conceição Evaristo, “Da Calma e do Silêncio”, é o norte da Bienal de São Paulo deste ano, que começa bem longe da calma e do silêncio, às vésperas da posse de Donald Trump de volta ao comando da Casa Branca e ataques terroristas a mil nos Estados Unidos, a carnificina ainda em curso na Faixa de Gaza e na Ucrânia e a reconstrução mais do que ruidosa da Síria. Mas a arte, mesmo que sempre entrelaçada ao noticiário, tem lá as suas liberdades.
Seguindo a cartilha, a mostra paulistana, que coroa o calendário deste ano, não deu muitas pistas para onde vai além do verso “quando meus pés abrandarem na marcha, por favor, não me forcem”, dos mais belos do poema de Evaristo, entre os outros que pregam o recuo contra o avanço, a paz contra a agitação —menos turbulência, afinal.
Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, o camaronês no comando desta edição, já disse que não quer fazer da mostra um manifesto identitário, ou seja, uma exposição em que a presença de artistas de grupos marginalizados seja vendida como espécie de commodity para sublinhar trabalhos sem densidade. Será lindo ver a Bienal de São Paulo dar um passo nessa direção, em que artistas sejam vistos mais pela obra do que pelo discurso, algo difícil num mercado de arte regido por tendências não muito distantes da indústria fashion.
Em todo caso, Ndikung é o abre-alas de uma série histórica das mostras de arte mais importantes do mundo. Depois dele, um homem negro, duas mulheres negras estarão à frente da Bienal de Veneza, na Itália, e da Documenta, em Kassel, na Alemanha. A também camaronesa Koyo Kouoh vai liderar a mostra italiana no ano que vem, e a americana Naomi Beckwith, do Guggenheim, em Nova York, já foi escalada para juntar os caquinhos da mostra alemã marcada para 2027, na ressaca da catastrófica última edição do evento, atropelada por escândalos de antissemitismo e responsável pela demissão de toda a sua alta cúpula.
SUL GLOBAL Este ano que começa agora também terá em fevereiro mais uma edição da Bienal de Charjah, a mais importante mostra de arte do Oriente Médio, neste ano com a presença da brasileira Luana Vitra, em plena ascensão. Em setembro, mesmo mês de abertura da mostra paulistana, a Bienal de Istambul volta para mais uma edição depois de um hiato prolongado por crises de gestão —o tema, talvez não por acaso, será o papel da arte em época de traumas.
MUSEUS EM EXPANSÃO Além do Masp, que abre seu anexo ao público em março, obra da firma Metro na avenida Paulista, este ano será marcado pela inauguração de uma onda de museus de peso no mundo.
Mais vistoso e mais controverso deles, o Guggenheim de Abu Dhabi deve enfim abrir as portas. Desenhado pelo canadense Frank Gehry e em construção há mais de uma década, acumulando uma série de escândalos de violações de direitos humanos em seus canteiros de obras, este será o maior Guggenheim do mundo em termos de área expositiva, acima daqueles de Nova York, Veneza e Bilbao, na Espanha.
Também será a hora e vez do anexo do New Museum, em Nova York. Sua sede no sul de Manhattan, obra da firma japonesa Sanaa, vencedora do Pritzker, vai dobrar de tamanho com um prédio vizinho desenhado pelo holandês Rem Koolhaas, também laureado com o prêmio máximo da arquitetura, que faz uma extensão da linguagem de total transparência do prédio original.
Os meses a seguir verão ainda expansões do Studio Museum, em Nova York, da Fondation Cartier, em Paris, e do Victoria & Albert, em Londres, esta da mesma firma Diller Scofidio Renfro, por trás do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, estrutura em obras que se arrastam há uma década e meia e já chegou até a enferrujar.
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noticia por : UOL