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sexta-feira, janeiro 24, 2025

“Ainda Estou Aqui”: indicação ao Oscar é história de superação

Então “Ainda Estou Aqui” foi indicado aos Oscars de melhor filme e melhor filme estrangeiro. E Fernanda Torres ao Oscar de melhor atriz.

Parabéns para Walter Salles, Fernanda Torres e todo o pessoal do Itaú. Afinal, não deve ser nada fácil para um nepo bilionário esquerdista encontrar espaço na igualmente bilionária e esquerdista Hollywood. E ainda mais com um filme que fala de comunistas bonzinhos, normais e felizes que estavam lá, ouvindo tranquilamente seu caetanozinho, quando se deparam com a truculência da ultradireita militar, fascista e conservadora dos anos 1960.

Isso é o que eu chamo de superação!

“ABAIXO A LEI ROUANET”

Jogados os confetes irônicos, é hora de dizer que, nos últimos dias de 2024, fui assistir ao tão falado “Ainda Estou Aqui”. E o que vi não foi cinema, e sim uma peça de propaganda. Ora, alguém pode argumentar que o cinema todo, desde Chaplin, é mais propaganda do que arte ou entretenimento. Tem razão, você que disse isso. Mas algumas peças de propaganda buscam ao menos ser sutis e, com isso, conseguem se passar por arte. “Ainda Estou Aqui”, nem isso.

Evito, porém, me juntar ao coro dos que empunham cartazes virtuais com os dizeres “NÃO VI E NÃO GOSTEI”, “ABAIXO A LEI ROUANET”, “NÃO AGUENTO MAIS FILME SOBRE A DITADURA!” ou “ZZZZZZZZZZZZ”. Porque não há característica mais reprovável na direita do que essa recusa em ouvir o que a esquerda hegemônica está dizendo e ensinando aos nossos filhos em filmes e livros.

A propósito disso, peço licença para dizer que não. Você não é melhor nem mais inteligente nem mais puro nem mais santo nem mais conservador nem mais direitista por se recusar a assistir a um filme como “Ainda Estou Aqui”. Na melhor das hipóteses, você é apenas alguém que tem medo de se confrontar com algumas incoerências próprias da guerra ideológica. Como, por exemplo, a verdade incômoda de que os milicos só fizeram eme.

A maior falha de “Ainda Estou Aqui”

E tem mais. Vi, por exemplo, muita gente dando cambalhotas dignas de uma Rebeca Andrade para, mesmo se dizendo cristão, justificar, quando não aplaudir, o sequestro, tortura e morte do ex-deputado Rubens Paiva. “Ah, porque ele queria implantar uma ditadura comunista no Brasil”, dizem. É verdade, mas isso justifica tirar o pai de uma família, torturá-lo, matá-lo e desaparecer com o corpo dele? Não justifica.

E veja só como são as coisas: é justamente nesse ponto que está a maior falha de “Ainda Estou Aqui”. Você saberia se tivesse ido ao cinema, seu preguiço! Porque o filme prega para convertidos interessados na lenga-lenga da ditadura de 1964 e não consegue transmitir a tragédia humana daquela circunstância histórica: num dia como outro qualquer, um pai de família foi tirado de casa, torturado e morto. O corpo jamais foi apresentado para a família, que se viu obrigada a viver um luto eterno.

E, repetindo: o filme não consegue nem mesmo mostrar a estupidez dos militares que, em vez de livrarem o Brasil do comunismo, como prometiam, acabaram por criar uma esquerda mítica.

Totalitarismo atual

Se bem que é compreensível. Afinal, se Walter Salles conseguisse mostrar a alma esmagada pelo totalitarismo estatal de antigamente talvez isso reverberasse no totalitarismo atual que mantém presas mães e avós, que tortura presos com crises renais e que mata militantes perigosíssimos como Clezão. E aí quem teria que se confrontar com as incoerências da guerra ideológica seria a esquerda.

É para não ter de se deparar com esse dilema que, em “Ainda Estou Aqui”, ao longo de todo o período em que Rubens Paiva permaneceu desaparecido e antes de ficar claro que o ex-deputado foi assassinado nos clichezentos porões da ditadura, paira sobre a família um ridículo ar de normalidade. As crianças brincam e estudam. Eunice arranja tempo até para dar umas braçadas nas águas do Leblon.

Talvez seja uma piscadela para os presos de 8 de janeiro. Algo como: sejam fortes. Vocês conseguem e quem sabe daqui a 60 anos alguém se dê ao trabalho de fazer um filme sobre vocês.

Tipos

Percebe como “Ainda Estou Aqui” é mera peça de propaganda que reduz os seres humanos a personagens de uma narrativa desgastada, cujo objetivo final é a consolidação da esquerda mítica? Eunice não é mulher, mãe e viúva; é um tipo. É “a personificação da resistência”. Assim como Rubens Paiva é um tipo. Nesse caro, ele é “a vítima inocente do regime militar”. Até as crianças são tipos e representam “o futuro”. E assim por diante.

Esquerda mítica

Tudo isso para retratar algo que a plateia de direita, por ignorância e teimosia, se recusa a ver: a gênese de uma esquerda que não é a esquerda inocente de “Anos Rebeldes”, nem a esquerda intelectualóide de “O Que É Isso Companheiro?”, nem a esquerda proto-identitária de “Marighella”, nem a esquerda pragmática de “Lula, o Filho do Brasil”. É a esquerda que chamei de mítica e vou insistir: mítica.

Sim, mítica! Uma esquerda que é admirável, ou melhor, venerável por seus ideais puros de justiça social, igualdade e liberdade, independentemente do que tenha acontecido depois. Isto é, do que a própria esquerda tenha feito desses ideias depois da redemocratização. Uma esquerda para sempre casta e que, em pleno 2025, vê se pode!, quer nos convencer de que não tem nada a ver com o pragmatismo corrupto da esquerda que está no poder desde 2002.

Filme que ganhou Oscar não pode estar errado

“Ai, mas porque o Oscar isso, o Oscar aquilo”. Amigo, Oscar é que nem macumba e só pega em quem acredita. Oscar só tem relevância e só serve como atestado de qualidade artística para quem é intelectual e esteticamente imaturo. Oscar só empolga quem tem como parâmetro de vida o sucesso mundano. Você não é desses, né?

No grande esquema das coisas, Oscar não significa absolutamente nada. Tanto que, no dia seguinte à premiação, estaremos falando de outras coisas. Preocupante mesmo é saber que “Ainda Estou Aqui” será exibido nas aulas de história pelas próximas décadas, sob o argumento de que “um filme que ganhou o Oscar não pode estar dizendo nada de errado nem de contestável”.

“Vani! Ô, Vani!”

Sobre Fernanda Torres no papel de Eunice (a mãe com tanta consciência social que se preocupa mais em acertar as contas com a empregada do que em comprar comida para os filhos), trata-se de uma boa atriz num papel menor. Convenhamos: qual a dificuldade de fazer cara de braba?

Por falar nisso, pode ter sido má vontade minha, mas a verdade é que, ao longo de todo o filme, fiquei esperando Eunice soltar a Vani (apud “Os Normais”) que Fernanda Torres a muito custo estava segurando dentro de si.

Fernanda Torres que, por ser escrava de seu meio, tem que ser uma atriz no papel eterno de ativista prafrentex, reproduzindo falas alheias com a maior naturalidade possível – seu dom. Dá pena.

Dito isso, adianto que, se Fernanda Torres ganhar o Oscar, ótimo, maravilha e que seja feliz tentando saciar com a estatueta aquela sede que, sabemos nós, elogios, aplausos e reconhecimento internacional nenhum são capazes de saciar.

noticia por : Gazeta do Povo

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