Ninguém de bom-senso esperaria que a reunião de emergência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) convocada para 30 de janeiro pela presidência pro tempore de Honduras, propusesse um curso de ação que desagravasse a situação em que Gustavo Petro, o presidente comunista da Colômbia, se meteu ao negar o acesso ao espaço aéreo de seu país a aeronave dos Estados Unidos com nacionais colombianos deportados.
O próprio Petro, aliás, viu-se obrigado a recuar, já que certamente não levou em conta, ao vestir a fantasia de caudilho de circo, que quase 30% das exportações da Colômbia têm os EUA como destino. O fato que não escapou ao governo norte-americano, que ameaçou retaliar com sobretaxa inicial de 25%, podendo chegar a 50%, sobre os produtos colombianos, caso o país sul-americano mantivesse a postura de não receber seus nacionais deportados dos EUA. Os Estados Unidos são o principal parceiro comercial da Colômbia – devido, principalmente, a um acordo de livre comércio bilateral firmado em 2006 –, e os países têm corrente de comércio e serviços em torno de US$ 60 bilhões anuais.
Não fosse isso suficiente, os EUA ainda são o principal provedor de assistência militar para os colombianos em sua luta contra guerrilheiros e narcotraficantes. Entre 2017 e 2023, a Colômbia recebeu do governo americano mais de US$ 1,8 bilhão por meio do programa Foreign Military Financing (FMF), que busca fortalecer as capacidades de defesa do país. Outros programas de cooperação militar entre Washington e Bogotá poderiam, ademais, ser impactados caso o mandatário colombiano prosseguisse com suas ações tresloucadas.
Ainda que a situação de Petro pudesse ser mitigada por uma declaração teatral, do tipo que só os anacrônicos talk shops latino-americanos conseguem lavrar, ela dificilmente adviria da CELAC, já que a entidade é o segundo pilar (o primeiro é a UNASUL) da superestrutura diplomática do Foro de São Paulo na América Latina. Embora tenham sido criadas no mesmo contexto impregnado do famigerado esquerdismo liberticida dos governos Lula I e II no Brasil, Néstor Kirchner na Argentina, Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia e do sexagenário regime comunista cubano, a CELAC (formada em 2010) difere da UNASUL (instituída em 2008) por não dispor de secretariado permanente e contar com modelo organizacional mais flexível, o que lhe permite servir ao propósito de caixa de ressonância das jurássicas lideranças esquerdistas latino-americanas, sem qualquer conteúdo programático que corresponda à própria organização.
Tal é a principal razão pela qual o resultado retórico da reunião de 30 de janeiro, cancelada na véspera por “falta de consenso” entre seus membros, interessaria menos por seu conteúdo, que seria em maior ou menor medida coalhado de vazias inferências antiamericanas, e sim por eventualmente constituir a primeira declaração de princípio da maioria de seus subscritores em relação à política migratória do governo de Donald Trump.
Não obstante o cancelamento da reunião da CELAC, convém prestarmos atenção aos desdobramentos de curto prazo das relações bilaterais entre o Brasil e os EUA no que tange à evolução da cizânia surgida por ocasião das condições de transporte dos nacionais brasileiros deportados dos Estados Unidos que chegaram ao Brasil na noite de 25 de janeiro último.
Sem saber da gestação da crise entre Washington e Bogotá, que eclodiria dali a poucas horas, autoridades brasileiras – capitaneadas pelos ministros da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, e pelo chanceler de enfeite, Mauro Vieira – transformaram uma ocorrência administrativa menor, decorrente de visões distintas sobre a implementação de acordo de 2021 sobre o transporte de nacionais deportados, em um espetáculo contraproducente, que contemplou desde declarações atabalhoadas dos três ministros a nota à imprensa divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores, e atribuiu ao Brasil a primeira movimentação no tabuleiro que antagoniza abertamente o governo Lula àquele liderado por Donald Trump.
À evidência de tratamento degradante dos agentes migratórios dos EUA aos brasileiros em processo de repatriação, o procedimento padrão, sem espalhafato, de encaminhamento das demandas, seria por vias diplomáticas convencionais. A observância desse padrão discreto e sóbrio teria tornado desnecessária a manifestação pública e oficial de agravo relacionado a práticas (dentre as quais destaca-se o uso de algemas durante o transporte dos brasileiros deportados dos EUA) que são, diga-se de passagem, reguladas por instrumento bilateral concluído em 2021 por Brasil e EUA. Desde 2023, os Estados Unidos já deportaram mais de 7.100 nacionais brasileiros, 80% dos quais durante as presidências Biden e Lula! Os brasileiros foram deportados em mais de 30 voos, no curso dos quais todos estiveram algemados.
Como salientei em artigo publicado nesta Gazeta no dia seguinte à eleição de Trump, o prognóstico das relações bilaterais para o biênio 2025-2026 já era sombrio; não considerei, contudo, a possibilidade de que Lula e seu entourage pudessem ser tão inábeis ao ponto de dar início ao antagonismo com o governo Trump a partir de uma situação que não apenas corresponde a uma das prerrogativas de qualquer Estado soberano (deportar estrangeiros em situação ilegal de seu território) como tem seus procedimentos regulados por instrumento bilateral. Só me parece possível, a tal luz, uma conclusão: Lula, assim como Petro, ainda não conseguiu entender o contexto no qual Trump foi reeleito presidente dos Estados Unidos, nem sua determinação em implementar promessas de campanha em temas-chave de sua agenda, um dos quais é a política migratória (aí incluídas as implicações de política externa que a implementação da pauta migratória poderá ensejar).
Se, por um lado, foi positivo para o Brasil que o curto blefe de Petro tenha permitido que nossas autoridades tentassem recalibrar o tom de suas invectivas contra Washington, por outro está claro que o governo brasileiro cometeu grave erro estratégico e diplomático ao transformar em espetáculo midiático uma ocorrência que poderia perfeitamente ter sido encaminhada por canais diplomáticos estabelecidos, pois acrescentou um ponto de tensão desnecessário a um enquadramento estratégico já desgastado e com viés de piora.
A leitura otimista do governo – amplificada pela mídia chapa-branca que se presta ao papel de assessoria de imprensa – sobre as relações entre Brasília e Washington nos governos Lula e Trump era baseada na suposta falta de importância do Brasil e da América do Sul no rol de prioridades da política externa dos EUA. Consoante tal interpretação, o consórcio de poder que ora governa o Brasil não seria constrangido por Washington, assim podendo prosseguir com a supressão da liberdade de expressão no país, a perseguição ilegal e autoritária de políticos de direita brasileiros e a agitação de feudos diplomáticos irrelevantes. Um dos quais até poderia ser a infame CELAC (da qual o presidente Jair Bolsonaro corretamente removeu o Brasil, em janeiro de 2020, tendo o país a ela retornado por determinação do presidente Lula, em janeiro de 2023), nos quais Lula é saudado como um Napoleão de província por caudilhos regionais sem qualquer importância para o resto do mundo. Não houve bem como desmentir ou confirmar a leitura governista, já que o circo armado por Lewandowski, Macaé e Vieira levou o Brasil a tomar a iniciativa para, como sói ocorrer no lulopetismo, fazer a coisa errada.
Gostaria de considerar posturas alternativas que o governo brasileiro poderia adotar a fim de evitar maior deterioração das relações com os Estados Unidos ao longo dos próximos dois anos, mas trata-se de empreitada inútil: se há um ou mais caminhos contraproducentes disponíveis, é inevitável que Lula e seus asseclas o(s) sigam, pois o mandatário e seu partido não têm qualquer projeto de desenvolvimento para o País, mas apenas um protocolo que visa fundamentalmente à locupletação do Brasil ao mesmo tempo em que a máquina de propaganda governista – da qual lamentavelmente o Itamaraty ora faz parte – mente à população e o aparato de arrecadação fiscal esfola sem dó os contribuintes. Não é, portanto, um estado de coisas que se desvela somente no domínio da política externa, mas também nas áreas econômica, fiscal, política, sanitária e de defesa, entre outras.
A principal esperança reside, portanto, na contenção da sanha destrutiva do lulopetismo pela ação da oposição combativa no Congresso, à qual corresponderá preservar as bases do relacionamento bilateral com os Estados Unidos por meio de uma diplomacia parlamentar paralela, e da submissão, às duas Casas do Congresso, dos atos governistas gravosos aos interesses nacionais, os quais deveriam ter efetividade suspensa.
Desde a perspectiva dos EUA, nossas expectativas mais otimistas repousam na capacidade da equipe de Donald Trump – sobretudo do secretário de Estado, Marco Rubio – de diferenciar o autoritarismo liberticida de Lula e seu governo dos verdadeiros anseios da ampla maioria da população brasileira, amante da liberdade e ciosa da importância de se restabelecer o primado da lei no Brasil. Para tal fim também concorrerá a interlocução interparlamentar entre a oposição brasileira e congressistas norte-americanos, em particular aqueles que se ocupam da promoção dos valores democráticos na América Latina. Assim, e com a realização de eleições limpas e justas em 2026, sem perseguições a candidatos de direita por parte de integrantes do STF, disporemos de condições para relançar as bases do relacionamento entre Brasil e Estados Unidos com um governo conservador a ser empossado em janeiro de 2027, o qual terá o colossal desafio de recolocar o Brasil nos rumos do desenvolvimento, na esteira da destruição da economia e instituições nacionais causadas pelo furacão PT.
Marcos Degaut é doutor em Segurança Internacional, Pesquisador Sênior na University of Central Florida (EUA), ex-secretário Especial Adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e ex-secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa.
noticia por : Gazeta do Povo