A atípica “tarde negra” de 19 de agosto passado– que gerou intenso debate e levou depois a chuvas de água preta devido à presença de poluentes– surpreendeu na ocasião, mas é algo que pode surgir da conjunção de diversos fatores que constam das atuais projeções e que, mesmo que não levem a uma repetição das cenas agora, poderiam motivar casos futuros se os incêndios florestais não diminuírem, disseram especialistas à Reuters.
Com o nível dos focos de fogo dos últimos dias semelhante aos de 2019 e clima que favorece a tendência, há quem veja grandes chances de um escurecimento dos céus em parte de São Paulo no final de semana ou no começo da próxima semana, o que eventualmente seria visível também em outros lugares, como em parte do Paraná.
“São vários fatores… primeiro esse período longo de tempo seco que favoreceu as queimadas e o transporte de fumaça na atmosfera. Depois, quando vem a chuva, ela limpa a atmosfera, mas até esse processo acontecer, nuvens vão se formar… essas nuvens, se formadas durante o dia, podem levar aquele fenômeno a acontecer novamente”, disse a meteorologista Estael Sias, da MetSul.
“Vejo de 80% a 90% de chance de isso acontecer, mas para ser visível teria que essa chuva acontecer durante o dia, para dar aquele efeito. O processo de chegada de fumaça vai acontecer, já está acontecendo. Mas se as nuvens se formarem à noite, não vai ser perceptível.”
A Somar Meteorologia também tem monitorado a situação e avalia que eventualmente as cenas poderiam ser vistas em boa parte de São Paulo e algumas localidades de Estados no Sul, disse o meteorologista Fabio Luengo.
“Acredito que a probabilidade de isso acontecer é muito grande, porque o número de focos de queimada é maior que no ano passado, e a dinâmica da atmosfera favorece esse transporte (das partículas) junto com a chuva.”
“Se não tiver nuvem de chuva, a fumaça pode chegar também e a gente ver um pôr do sol mais alaranjado, de cor diferente, tons mais marrons, laranja”, acrescentou.
“Aquela nuvem escurecida não é só pela fumaça, é também o suporte das nuvens de chuva, tem que ter esse encontro aí dos fatores, das variáveis”.
A “tarde negra” de 2019 ocorreu em meio a questionamentos de ambientalistas sobre a proatividade do governo Jair Bolsonaro em conter o problema das queimadas, depois que produtores rurais no Pará chegaram a divulgar anúncio em um jornal local sobre um “Dia do Fogo”.
Mais recentemente, ainda sob críticas, Bolsonaro decidiu colocar o vice-presidente Hamilton Mourão para chefiar um Conselho da Amazônia e autorizou o Exército Nacional a atuar contra queimadas, que ainda foram proibidas por 120 dias em um decreto publicado em julho.
“No ano passado, aquela nuvem negra que pairou sobre São Paulo e outros Estados foi por basicamente dois fatores: muita queimada na região Amazônia e principalmente no Pantanal e Bolívia, e a entrada de uma frente fria… e agora estamos com um padrão muito semelhante”, disse o meteorologista da comercializadora de energia Tesla, Igor Stivanelli Custódio.
“Temos aí, nesse período, possibilidade de pelo menos mais um dia com uma tarde nublada, escura, igual aconteceu em São Paulo no ano passado. E semana que vem faz um ano desse fenômeno, coincidência ou não.”
CONJUGAÇÃO DE FATORES
O Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC-INPE) monitora o cenário com cautela, disse à Reuters o meteorologista Maicon Veber, com a ressalva de que a repetição do fenômeno exigiria uma conjugação de fatores que pode não se concretizar apesar dos atuais sinais.
“A gente está tendo uma configuração semelhante à que teve ano passado. Mas se vamos ter essa combinação exata não tenho como te precisar. Também pode ser que, dependendo do horário, não se consiga enxergar.”
Nesse caso, no entanto, a chegada da fuligem das queimadas ainda poderia ser verificada pelos efeitos sobre a chuva.
“No ano passado tivemos a deposição desse material com a chuva, a questão da chuva escura. Pode ser que realmente por ela se consiga identificar”.
No Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o especialista Marcelo Schneider também aponta similaridades com o quadro de 2019 e não descarta a repetição da “tarde negra”.
“É uma coisa muito peculiar. Possibilidade, tem, mas vai depender de vários fatores e o principal é a trajetória dos poluentes, da fumaça”, disse ele à Reuters.
“Talvez isso, como aconteceu no passado, fique uma coisa mais estabelecida no nosso calendário, essa virada de estação, porque é bem nessa época de final da estação seca. Mas isso é algo para estudo, entra na questão de um estudo mais amplo”.