terça-feira, 17, junho , 2025 08:01

Entenda se for capaz: tentamos decifrar a monografia que Janja dedicou ao namorado

A primeira-dama Rosângela Lula da Silva tornou-se uma figura importante no governo, a ponto de discutir políticas públicas com o líder da China, Xi Jinping, e de liderar parte da programação do G-20 no ano passado.

Por isso, é importante saber o que ela pensa. 

Socióloga de formação, Rosângela — mais conhecida como Janja — levava uma vida comum de funcionária pública até ganhar notoriedade graças a seu enlace romântico com Lula. Janja era empregada na Itaipu Binacional, onde foi assistente do diretor-geral e coordenadora de programas de desenvolvimento sustentável.

Em 2011, graças a uma parceria de Itaipu com a Escola Superior de Guerra (ESG), ela cursou uma especialização: o Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Segundo a ESG, o curso tem a função de “preparar civis e militares do Brasil e de nações amigas para o exercício de funções de direção e assessoramento de alto nível na administração pública, em especial na área de Defesa Nacional”. 

A monografia de Janja revela o que (e como) pensa a voluntariosa primeira-dama do Brasil. 

O título do trabalho (“Mulher e Poder: relações de gênero nas instituições de defesa e segurança nacional”) demonstra que a futura esposa de Lula já se preocupava com a participação feminina nos espaços de poder.

Mas ela poderia ter feito mais pela causa. Apesar do tema escolhido, o cerne da questão — a presença das mulheres nas instituições de defesa e segurança — ocupa apenas três páginas. A maior parte da monografia trata do papel histórico das mulheres e da presença delas na política do Brasil. E o que não faltam são erros.

VEJA TAMBÉM:

Esposa de Marighella, Marx e Cuba 

Janja abre o trabalho com uma citação de Clara Charf: “Não há uma ação transformadora nesse país que não tenha a cabeça, o braço e o coração da mulher”. Clara Charf, que completa 100 anos em 2025, foi militante comunista e esposa do guerrilheiro Carlos Marighella.  

O parágrafo inicial da monografia, truncado e com problemas de sintaxe, é uma prévia do que vem adiante: “Este trabalho pretende detectar as relações de gênero e poder na estrutura da sociedade brasileira de forma macro e de como essas relações de (sic) reproduzem de forma micro nas instituições de defesa e segurança”, afirma Janja. 

De antemão, a futura primeira-dama se justifica. Ela afirma que tinha planejado entrevistar mulheres em “espaços de decisão”, mas que isso não foi possível. Motivo: “As entrevistas inicialmente pensadas com mulheres que hoje estão ocupando os espaços de decisão nas esferas do poder, principalmente nas instituições de segurança e defesa, se mostraram prematuras em razão do pouquíssimo tempo de atuação dessas mulheres nesses espaços e, portanto, o objetivo principal de identificar possíveis mudanças culturais nessas organizações conduzidas sob valores femininos não seria atingido, porque, obviamente mudança de corações e mentes masculinas não acontece em um estalar de dedos.” 

Em contrapartida, Karl Marx aparece já na terceira página da monografia: “Analisar historicamente o papel da mulher nas relações de trabalho nos remete ao conceito da ‘divisão social do trabalho’ e aos seus dois principais formuladores: Durkheim e Marx”, afirma o texto. 

Usando a vírgula para separar o sujeito do predicado, Janja explica a menção ao autor de “O Capital”: “Para Marx a divisão social do trabalho, conduz à  formação de grupos especializados nas diferentes atividades produtivas e à obtenção de níveis de produtividade que permitem a criação de excedentes econômicos”. 

Os sujeitos e os predicados, aliás, parecem ter algum problema de relacionamento na tese de Janja. “A eclosão de duas grandes guerras mundiais, tornou o trabalho da mulher extremamente necessário”, ela escreve, em outro trecho.

A futura primeira-dama também conseguiu embutir um elogio ao regime comunista de Cuba em sua monografia. No socialismo cubano, conta Janja, o marido é obrigado por lei a dividir os afazeres de casa com a mulher: “Cuba foi um país que, no enfrentamento aos preconceitos que envolvem a situação feminina, criou uma lei que prevê a obrigação legal do marido dividir com a mulher os serviços domésticos. A esposa poderia inclusive recorrer ao Comitê de Defesa da Revolução em caso de recusa do marido. Tal recurso fundamenta-se na igualdade do socialismo, incentivando as mulheres a trabalharem e gerarem mais riquezas”. 

Não foi possível apurar se o sistema cubano está em vigor no Palácio da Alvorada. 

A jornada histórica da mulher segundo Janja 

Antes de chegar ao momento atual, a monografia de Janja apresenta um histórico do papel das mulheres desde o Egito Antigo. 

Na narrativa janjiana, a Igreja Católica era vilã durante o século XVII: “As visitas pastorais e o confessionário funcionavam como mecanismos de controle, afirmando e reafirmando normas e regras morais que pregavam a submissão da mulher de forma inquestionável”. 

Janja ignora aspectos biológicos e argumenta que as diferenças entre homens e mulheres são sobretudo fruto de construções sociais — que, talvez por pura coincidência, emergiram em todas as sociedades do mundo. “A dominação masculina está presente em todas as sociedades pois elas se constituíram sob (sic) uma perspectiva androcêntrica que pressupõe a dominação do princípio masculino (ativo) sobre o princípio feminino (passivo)”, ela escreve. Janja não explica como isso aconteceu. 

Mais adiante, a família e a igreja entram no rol de culpados pela opressão feminina. “Podemos entender que as instituições família, escola, igreja, Estado reproduzem as relações de poder, opressão e desigualdade entre os sexos”, diz a socióloga. 

Erros em profusão 

Se não teve tempo para se aprofundar na pesquisa, Janja poderia ter pelo menos revisado o texto melhor. 

A tese, de 47 páginas, é recheada de erros de gramática ou de digitação. 

Janja escreve “A muito tempo” em vez de “há muito tempo”. “Forças Armadas Brasileira” em vez de “Forças Armadas Brasileiras”. “Andocêntrica” em vez de “androcêntrica”.  

Ela também grafa “Dilma Rousseft” em vez de Dilma Rousseff, em uma frase na qual o verbo “atingir” não concorda com coisa alguma: “Os números oscilaram positivamente com o Governo Dilma Rousseft, mas ainda está longe de atingirmos os índices que efetivamente garantam o equilíbrio entre homens e mulheres nas esferas de poder e decisão”.  

“Assim podemos entender a relação mulher e poder sobre três perspectivas”, capricha Janja, trocando “sob” por “sobre”.  

Outros erros incluem a falta de crase nos agradecimentos (“as mulheres de fibra e coragem”, “as colegas de turma”) e a pontuação equivocada quando ela expressa gratidão ao namorado da época — que não era Lula: “Ao meu namorado, que apoiou e incentivou a minha vinda para o Rio de Janeiro, mesmo sabendo das dificuldades da distância que, felizmente não atrapalhou só nos fortaleceu”. 

Até o ano de conclusão da monografia está errado na página inicial. Janja escreveu 2001, em vez de 2011.

Monografia de Janja tem trechos pouco inspirados

Quando não erra na ortografia e na sintaxe, Janja se atrapalha com a semântica. O trabalho inclui parágrafos quase ininteligíveis, como este: “As relações de poder que estruturam e organizam a sociedade que se manifestam nos valores sociais e nas convenções de gênero que se inter-relacionam criando uma rede complexa e dando corpo a problemática da baixa participação das divisão sexual e racial do trabalho, que se origina basicamente em uma esfera masculina de tomada de decisões e reproduz preconceito no qual as mulheres não são consideradas para ocupar cargos de poder e decisão”. 

A monografia também se destaca pelas platitudes. “A análise da realidade internacional comprovs (sic) que a existência e implementação de Planos Nacionais de Segurança e Defesa que abranjam esse tema contribui decisivamente para a real integração da dimensão da igualdade de gênero nas políticas de defesa, de segurança interna e de cooperação para o desenvolvimento dos Estados, revelando-se instrumentos-chave na implementação dessas políticas e na disseminação das preocupações relacionadas com Mulheres,Segurança e Paz.” 

“Pesquisando sobre o tema equidade de gêneros, percebe-se que em nenhum país as mulheres têm oportunidades iguais aos homens. Observa-se esta desigualdade principalmente na área econômica e política”, afirma outro trecho.  

Ao fim do estudo, a conclusão de Janja tem este parágrafo que, outra vez, parece ter sido escrito às pressas: “Como solução ao problema apresentado da falta de mulheres em cargos de poder e decisão no atual espaço da política institucional.  A dissociação histórica estabelecida entre mulheres e poder é algo a ser vencido no país”. 

Depois, ela diz que reduzir a exclusão das mulheres vai causar a inclusão das mulheres: “Eliminar aos motivos, sejam eles culturais ou econômicos, que mantém (sic) o cenário de   exclusão, construir novos valores de equidade de gênero, novos paradigmas de convivência social é um desafio a ser enfrentado para que mais mulheres possam definitivamente viver em uma sociedade igual para homens e mulheres.” 

O orientador do trabalho, Pedro Fonseca Junior, se aposentou da Escola Superior de Guerra e hoje é diretor de uma empresa. Não é possível dizer que sua saída da ESG seja consequência da experiência com Janja.

VEJA TAMBÉM:

noticia por : Gazeta do Povo

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

PUBLICIDADE

NOTÍCIAS

Leia mais notícias