segunda-feira, 16, junho , 2025 03:51

Ditadores 2.0: como os tiranos modernos destroem a democracia fingindo defendê-la

Assinado por Sergei Guriev e Daniel Treisman — dois respeitados acadêmicos, especialistas em economia e ciência política —, “Democracia Fake” (selo Vestígio) investiga uma nova e perigosa forma de autoritarismo: a dos chamados “ditadores do spin” (termo utilizado para definir marqueteiros, manipuladores).

Diferentes dos antigos “ditadores do medo” do século XX — como Stalin, Mao ou Hitler, que governavam pela violência explícita e o isolamento internacional —, os “ditadores do spin” preferem parecer simpáticos, populares e até democráticos.

Nomes como Hugo Chávez, Vladimir Putin, Viktor Orbán, Recep Erdoğan e Rafael Correa aparecem no livro como exemplos desse novo modelo de tirano — tão eficaz quanto o antigo, mas mais difícil de detectar.

No recorte a seguir, Guriev e Treisman explicam como esse tipo de regime substitui a repressão aberta por processos judiciais duvidosos, prisões seletivas e campanhas de difamação. Um alerta necessário nestes tempos em que, como advertem os autores, “a principal arma da tirania já não é o medo — é o engano”.

As autocracias de hoje representam novos desafios para as democracias do Ocidente. Para lidar com esses desafios, precisamos primeiro entender esses novos regimes.

Ao contrário dos adversários do Ocidente durante a Guerra Fria, os ditadores do spin não têm uma ideologia real. Reconhecendo o apelo da democracia junto a seus cidadãos, eles fingem abraçá-la.

Muitos caem ao tentar isso, e mesmo aqueles que não caem acabam muitas vezes desmoralizados. Por mais paradoxal que possa parecer, a hipocrisia de tais governantes pode enfraquecer a fé não tanto neles, mas na própria democracia.

Quando ditadores afirmam estar construindo o comunismo — ou o ba’athismo ou o mobutuísmo —, seus oponentes podem acreditar que um governo popular seria uma alternativa melhor. Mas, quando o próprio titular se diz um “democrata”, é fácil pensar que a democracia é sempre uma farsa.

No exterior, os ditadores do spin usam propaganda para difundir o cinismo e a divisão. Se o público ocidental começar a duvidar da democracia e a desconfiar de seus líderes, então esses líderes terão menos probabilidade de partir em cruzadas democráticas pelo mundo.

Se a interferência russa influenciou as eleições de 2016 nos Estados Unidos é algo que continua a ser debatido. Mas apenas a percepção de que isso poderia ter acontecido já lança uma sombra sobre a eleição, e essa suspeita voltou a atenção americana para dentro de seu país.

Além de prejudicar a confiança dos estadunidenses em seu sistema, os trolls de mídia social russos conseguiram levar uma mensagem para os telespectadores da Rússia: o estilo democrático dos Estados Unidos leva à polarização e ao conflito.

Elites compradas

Uma segunda tática-chave é explorar a corrupção. Em casa, os ditadores do spin compram suas elites de forma escamoteada. Fazem o mesmo no exterior.

Mas, junto com a desinformação, eles também exportam imoralidade. Têm dois motivos para fazer isso.

Primeiro, eles procuram enfraquecer os governos ocidentais e bloquear ações hostis. Recrutam ajudantes ocidentais para fornecer inteligência e fazer lobby lá fora pelos seus interesses.

Além de espiões — que sempre existiram —, eles cultivam amigos nos escalões mais baixos da vida política e corporativa do Ocidente. Tais relacionamentos geram recompensas concretas e criam oportunidades para chantagem.

Ao mesmo tempo, esse tráfico de influência que os autocratas financiam prejudica a reputação do Ocidente. Afinal, quando ele é descoberto, isso traz descrédito às elites ocidentais.

Isso aponta para o segundo motivo dos ditadores: moldar a opinião pública em seus próprios países. Ao alimentar a corrupção no Ocidente — e às vezes vazar detalhes dessa corrupção —, os ditadores do spin normalizam suas próprias táticas inescrupulosas.

Quando relatos de negociatas em seus próprios governos vêm à tona, os defensores dos ditadores podem argumentar que o tráfico de influência é algo universal. Ou seja, suas operações escusas no exterior ajudam a vaciná-los contra escândalos dentro de casa.

Focados em poder pessoal e no interesse próprio, os ditadores de hoje têm dificuldade em formar alianças sólidas. Stálin forjou um bloco estável com base em uma ideologia de que todos compartilhavam.

Os atuais autocratas podem colaborar uns com os outros em projetos específicos, mas sua lealdade se realinha à medida que surgem novas oportunidades. Por exemplo, Putin e Erdoğan já se alternaram tantas vezes entre ser amigos e inimigos que é difícil contabilizar.

Chávez abraçou Castro e outros esquerdistas latinos, mas, quando os carregamentos venezuelanos de petróleo decaíram após a morte do comandante, Cuba não demorou a tentar melhorar suas relações com Washington.

Areia nas engrenagens

Em vez de se unirem para se opor ao Ocidente, os ditadores do spin se infiltram nas alianças e instituições ocidentais. Eles fingem compartilhar dos objetivos ocidentais apenas para criar obstáculos a eles de maneira dissimulada.

Uma vez dentro, eles jogam areia nas engrenagens e redirecionam tais entidades contra seus inimigos. Por mais que desacreditem a democracia liberal ao imitá-la, eles abraçam o internacionalismo liberal a fim de explorá-lo.

Como já vimos, Orbán, da Hungria, ajuda a decidir políticas da Otan, da OCDE e da União Europeia. Erdoğan também é membro dos dois primeiros órgãos, e Putin ainda se junta a ambos no Conselho da Europa.

Além disso, ditadores africanos se unem aos ingleses nas cúpulas da Commonwealth, a comunidade das nações historicamente ligadas ao governo britânico. Nas Nações Unidas, torturadores têm cadeiras em órgãos de direitos humanos. Venezuela, Rússia e Qatar foram membros fundadores da chamada Comunidade das Democracias, o que levou ao descrédito desse grupo desde o primeiro momento.

É claro que tais táticas não são novas. Desde o início, a União Soviética e a China exploraram suas posições na ONU, e ditadores africanos sempre participaram da Commonwealth. Mas os autoritários de hoje trabalham sistematicamente no intuito de controlar cada vez mais as alavancas que movem a ordem mundial liberal.

Em suma, os desafios são vários. Os ditadores do spin não estão determinados a dominar o mundo. Eles não são ideológicos, são oportunistas, e não se coordenam entre si.

Ainda usam a força militar às vezes, confiscando territórios próximos de suas fronteiras, intervindo em conflitos ou encenando provocações, geralmente para melhorar sua imagem em casa. Mais frequentemente, eles atacam o Ocidente por dentro das redes das elites econômicas e políticas.

Para se protegerem, trabalham para minar a confiança na democracia liberal, enfraquecer as alianças e instituições do Ocidente e corromper e explorar seus líderes.

noticia por : Gazeta do Povo

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