Phelipe Ferreira e Luckas Santos eram escravizados por uma máfia de golpes cibernéticos. Brasileiros vítimas de tráfico humano são entregues ao governo tailandês
Um vídeo mostra o momento em que os brasileiros Phelipe de Moura Ferreira e Luckas Viana dos Santos, vítimas de tráfico humano em Mianmar, no Sudeste Asiático, foram resgatados ao lado de outras centenas de imigrantes. Eles foram entregues ao governo tailandês e agora aguardam repatriação para o Brasil.
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Os dois ficaram mantidos reféns por mais de três meses por uma máfia de golpes cibernéticos. Eles conseguiram fugir do local no sábado (8) e foram resgatados, com a ajuda da ONG internacional “The Exodus Road”, por forças de segurança.
Phelipe Ferreira chegou a avisar o pai que tentaria a fuga. Nas mensagens, às quais o g1 teve acesso, ele contou que ia cruzar um rio com outras 85 pessoas e correr por dois quilômetros. Phelipe pediu orações e ainda se despediu caso algo acontecesse com ele (leia prints abaixo).
Brasileiro vítima de tráfico humano vítima de máfia em Mianmar
Reprodução
“Ora por mim e pede para minha vó, Iorrana e todo mundo orar por nós para que tudo dê certo. São 85 pessoas. Eu só quero que tudo dê certo. Eu te amo, pai. Se acontecer algo comigo, saiba que eu tentei ao máximo”, escreveu.
Prints mostram conversa de brasileiro vítima de tráfico humano com o pai antes de fugir
Arquivo Pessoal
Na operação de resgate, eles foram levados para um centro de detenção em Mianmar e, depois, transferidos para a Tailândia. Lá, eles deverão ficar ainda mais 15 dias em outro centro de detenção, que é praxe nesses casos de tráfico para verificar se são realmente vítimas e só então serão liberados.
O pai de Phelipe, Antônio Carlos Ferreira, contou ao g1 que o filho conseguiu enviar mensagens por um número desconhecido em um momento em que ninguém da máfia o monitorava.
“Ele me avisou sobre a fuga e à ONG também. Estávamos só na expectativa e, graças a Deus, o meu filho foi resgatado. Estou muito feliz, muito feliz mesmo. Você não sabe o que estou sentindo neste momento”, disse Antônio.
Jovens brasileiros conseguem fugir de rede de tráfico de pessoas
O Fantástico mostrou o caso de Luckas e Phelipe, que são da capital paulista, em dezembro do ano passado. Os dois aceitaram promessas falsas de emprego e acabaram sendo vítimas de tráfico humano em KK Park, em Mianmar. O local é considerado uma “fábrica de golpes online” e ambos foram escravizados para aplicarem golpes (veja mais abaixo).
Graças a Deus ele foi resgatado. Agora, temos uma outra etapa, porque a gente precisa de ajuda das autoridades para novos passaportes. Eles fugiram e receberam a ajuda da ONG para conseguirem sair de novo da máfia, mas eles não têm passaporte e não podem ficar como ilegais no país.
Luckas Viana dos Santos e Phelipe de Moura Ferreira estavam há mais de três meses sendo vítimas de tráfico humano no Sudeste Asiático
Arquivo Pessoal
Como foram a fuga e o resgate
Phelipe e Luckas conseguiram fugir entre a noite de sábado (8) e a madrugada de domingo (9) ao lado de centenas de imigrantes e foram detidos por agentes do DKBA (Exército Democrático Karen Budista).
Na sequência, eles foram levados para um centro de detenção da DKB, que fica em Mianmar, onde devem esperar a transferência para Tailândia.
Ao g1, Cíntia Meirelles, diretora da ONG The Exodus Road, explicou que a fuga foi combinada pelos reféns, que conseguiram avisar familiares e ativistas sem que fossem descobertos pelos mafiosos.
Luckas Santos e Phelipe Ferreira estavam havia mais de três meses como vítimas de tráfico humano
Reprodução/Fantástico
Como a ONG estava em diálogo com representantes do governo da Tailândia para que 361 imigrantes fossem libertados de Mianmar, Phelipe e Luckas acabaram incluídos nessa lista.
Segundo ela, ao chegarem na Tailândia, os brasileiros ainda ficarão em um centro de detenção como parte de um procedimento legal e serão liberados em seguida.
“No caso deles, a gente já tem toda a documentação. É um procedimento legal e, em 15 dias, eles serão liberados. Tendo a liberação, vão ser encaminhados para a embaixada que deve, aí sim, cumprir o repatriamento”, ressaltou.
Em nota, o Itamaraty informou que tomou conhecimento do caso “com grande satisfação, da liberação de dois brasileiros vítimas de tráfico de pessoas na fronteira entre Myanmar e Tailândia”.
“O Itamaraty, por meio de suas Embaixadas em Yangon, no Myanmar, e em Bangkok, na Tailândia, vinha solicitando os esforços das autoridades competentes, desde outubro do ano passado, para a liberação dos nacionais. O tema foi também tratado pela Embaixadora Maria Laura da Rocha, na ocasião na qualidade de Ministra substituta, durante a IV Sessão de Consultas Políticas Brasil-Myanmar, realizada em Brasília, em 28 de janeiro último. Em suas gestões, a Embaixadora Maria Laura da Rocha reforçou a necessidade de esforços contínuos para localizá-los e resgatá-los”, afirmou.
O Itamaraty também afirmou que o setor consular manteve contato permanente com as famílias.
Entenda o caso
Em entrevista ao Fantástico em dezembro de 2024, Cleide Viana contou que o filho Luckas, que tem conhecidos na Ásia, recebeu uma proposta para trabalhar em um cassino nas Filipinas.
Contudo, quando o cassino fechou, ele não tinha dinheiro para voltar ao Brasil. Então, recebeu pelo Telegram o convite para trabalhar num hostel (albergue) na Tailândia, mas se tornou refém de uma máfia.
“Ele falou que ia para Tailândia que lá era mais barato e que o dinheiro que tinha dava para ir para lá. Estranhei o primeiro telefonema porque ele disse que não estava bem”, afirmou.
Brasileiros reféns de criminosos cibernéticos não conseguem voltar ao Brasil
Também pelo Telegram, Phelipe de Moura Ferreira recebeu uma proposta de trabalho numa central telefônica na Tailândia e topou. Após aceitar a oferta, ele desapareceu.
Dias depois, conseguiu entrar em contato com a família rapidamente pelo computador da empresa quando não tinha ninguém por perto o monitorando. Passaportes e celulares foram apreendidos.
Jovens brasileiros são escravizados nas ‘fábricas de golpe’ no Sudeste Asiático
O jovem relatou à família que tinha sido aprisionado por uma máfia de golpes cibernéticos. “Um dos chefes disse que eu precisava trazer resultado para a empresa. Senão, eu iria ser agredido até sexta-feira, que é amanhã. A gente tá fazendo tudo para tentar se manter vivo”, disse Phelipe, em mensagem enviada para o pai no ano passado.
Guerra civil em Mianmar
Mianmar é um país em guerra civil desde 2021. O caos abriu espaço para criminosos internacionais se instalarem no país, segundo especialistas.
Em 2023, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos afirmou que ao menos 120 mil pessoas, do mundo todo, estariam sendo mantidas reféns nessa região.
“Muitas vezes uma vítima, quando chega ao local é explorada, é forçada a recrutar novos brasileiros”, explica Eduardo Bomfim, delegado da Polícia Federal.
O Ministério das Relações Exteriores divulgou uma nota alertando que se deve viajar para Mianmar apenas por urgência. A nota foi publicada em dezembro de 2023 e atualizada em janeiro deste ano.
“Devido à situação política de Myanmar, a Embaixada do Brasil em Yangon recomenda que brasileiros evitem realizar viagens que não sejam urgentes nem necessárias ao país. Brasileiros que viajarem a Myanmar devem evitar áreas de conflito”.
“Recomenda-se que não sejam realizadas viagens aos estados/regiões de Mandalay, Magway, Chin, Sagaing, Kachin, Kayah, Rakhine, Kayin e Mon, além do norte da região de Tanitharyi. Por questões de segurança, recomenda-se que os viajantes evitem aglomerações e manifestações políticas. Devem, também, observar os horários definidos pelo toque de recolher em vigor no país, que variam em cada localidade”, diz a nota.
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Fonte: G1