25 C
Cuiabá
quinta-feira, fevereiro 13, 2025

O posicionamento da UNE sobre a educação à distância é um erro

VINICIUS BRASILINO

Não é possível que a União Nacional dos Estudantes esteja tão atrasada em sua opinião quanto o debate em relação a oferta de 40% de ensino remoto na modalidade presencial do Ensino Superior brasileiro. A primeira questão é de conceito. Pois a Educação à Distância é uma modalidade de oferta tão legal e importante quanto a Presencial. E o desconhecimento reforçar um posicionamento totalmente equivocado, excludente e preconceituoso contra milhares de estudantes que têm esta forma de oferta como a principal garantia de acesso ao Ensino Superior, que é ainda, apesar de todas as políticas de ação afirmativas e de democratização do acesso ao Ensino Superior, distante da maioria da população brasileira.

Esse posicionamento da UNE, expresso por uma postagem da presidente Manuella Mirella na rede social X, é extremamente preocupante, pois expressa uma visão totalmente superficial sobre os desafios do Ensino Superior no Brasil. A UNE por décadas defende uma Reforma Universitária, é e foi pauta de muitas mobilizações como um tema central. E quem não concorda com uma Reforma Universitária? Porém a pauta não sai do campo da retórica, justamente porque a formulação sobre o tema não tem base científica. Não tem base teórica. Muito menos inserção no seio do movimento estudantil e na pauta política da Nação.

Dito isso, é preciso considerar que se antes da pandemia de COVID 19, e sob os efeitos do golpe de 2016. O sucateamento das Universidades e do Ensino Superior afastou de parte da população brasileira da sala de aula. As reformas trabalhistas, do Ensino Médio, a lei da terceirização, a PEC do teto de gastos e o governo anti-ciência e anti-povo colocou a juventude brasileira em condições de: ou trabalhar para sobreviver, ou estudar. Os altos índices de evasão nas Universidades Públicas e Privadas, e a drástica redução de estudantes que fizeram o ENEM de 2016 para cá, mostram o quanto o projeto de precarização da mão de obra no brasil colocou novos desafios para a garantia do acesso ao Ensino Superior.

Por outro lado, não existe questionamento sobre as práticas pedagógicas extremamente ultrapassadas que se perpetuam no processo de formação do Ensino Superior por séculos. A estudante, que ainda resiste em conseguir se formar em uma universidade na modalidade presencial, por vezes, se encontra com o vazio da falta de relação da teoria com a prática profissional. Que ao chegar no mundo do trabalho a prática cumpre um papel muito mais determinante que aquilo que se tem acesso dentro das quatro paredes de uma sala de aula. Compreender que o processo formativo no século XXI passa pela garantia de condições equânimes de oferta para melhores proficiências e aproveitamento do ensino/aprendizagem é uma questão central atualmente.

A classe trabalhadora brasileira tem um novo desafio no campo da formação de mão de obra qualificada. A juventude trabalhadora precisa de condições para trabalhar e buscar conhecimento. A Política Nacional de Assistência Estudantil, que é uma conquista importantíssima do movimento estudantil brasileiro nesse último período, infelizmente, ainda é insuficiente para garantir a efetiva da permanência a todos que precisam. Quem estuda e trabalha em uma escala 6×1 precisa de formas de acesso ao conhecimento mais diversificadas, mais acessíveis, mais inclusivas e que compreenda a realidade objetiva e material de cada estudante. Sem bolsa para permanecer o estudante vai trabalhar nos comércios, na informalidade e a sala de aula presencialmente de forma integral tem sido uma opção não prioritária.

A oferta de disciplinas remotas não compromete o processo de ensino e aprendizagem da modalidade de oferta presencial. Na verdade, tem disciplinas na graduação em que a exigência de sala de aula é obsoleta. O estudante precisa do tempo que poderia ter acesso em qualquer lugar a esse conteúdo para buscar condições melhores de vida para ele e sua família. Para assim prospectar-se em construir uma perspectiva de futuro e prosperidade. Dizer que somente a oferta presencial constrói melhores condições de formação, demonstra um total desconhecimento de uma modalidade de oferta que precisa de melhor regulação especialmente quando se trata do Ensino Privado e melhores condições no Ensino Público. A modalidade de Educação à Distância.

Inúmeras instituições ofertam Educação a Distância com muita qualidade. Não atoa a Universidade Aberta do Brasil – UAB foi e é uma estratégia fundamental para democratização do Ensino Superior, em especial para formação de professores, gosto muito da lembrança da Plataforma Freire, que corrigiu um gargalo gigantesco de professores que lecionavam sem graduação ou ministravam disciplinas de áreas do conhecimento diferentes de sua formação no início deste século.

O ensino remoto na pandemia cumpriu um papel primordial na garantia da manutenção do processo de formação no Ensino Superior para os estudantes brasileiros. E demonstrou que em situação de emergência em saúde e de estrangulamento das universidades pelo governo negacionista foi uma estratégia acertada para combate à evasão que assola o Ensino Superior no Brasil hoje.

Bem como, não existe uma crítica real sobre a falta de prioridade do Governo Lula III ao Ensino Superior. As Universidades Públicas Federais ainda seguem em funcionamento com um orçamento que é um pouco mais de 1/3 do orçamento praticado em 2013. Os reitores e reitoras, por meio da ANDIFES, seguem de “pires na mão” como o Ministério da Educação. A Reforma Universitária não será realidade sem a discussão do financiamento do Ensino Superior público, que ainda oferta 1/5 das vagas do Ensino Superior no Brasil.

Esse debate era para ser enfrentado na Reforma Tributária que foi aprovada recentemente, após 30 longos anos de debate. Qual foi o debate sobre o financiamento da Ciência e do Ensino Superior na Reforma Tributária? Sem contar que conquistas como os 10% do PIB no Plano Nacional de Educação 2014/2024 diante das questões da recente luta política brasileira ficaram para segundo plano. Perdemos os 50% do fundo social do Pré-sal e os 75% dos royalties do petróleo para educação, que caíram por terra com a mudança do regime de partilha do petróleo brasileiro.

Ainda tratando sobre as condições de permanência dos estudantes, a UNE sequer debate a garantia de assistência estudantil para os milhares de estudantes da Educação à Distância, que precisam de assistência estudantil para permanecer na universidade, principalmente nas Universidades Públicas que ofertam Educação à Distância com MUITA qualidade. Garantindo uma democratização real do acesso ao Ensino Superior, rompendo as barreiras físicas e territoriais de um país de dimensão continental como o Brasil.

Em alguns Estados, os estudantes da EAD sequer têm acesso ao restaurante universitário das Universidades Federais. Sabe quando foi pautado na UNE? Nunca. Por isso me preocupa muito esse debate raso sobre a Portaria que garante que 40% da educação presencial seja ofertada através do ensino remoto. Pois ele é excludente, é antiquado e bem distante da realidade da juventude brasileira que precisa trabalhar e estudar. Mas eu ainda tenho fé que será possível uma mudança desse posicionamento. Que a UNE representa verdadeiramente todos os estudantes do Ensino Superior. Que encontre uma maturidade sobre esse debate em relação à Educação à Distância e a regulação do Ensino Superior Privado no Brasil.

Enquanto isso, vejo uma narrativa que não ecoa no seio da população e não é pauta efetiva dos estudantes, que por muitas vezes querem apenas ter acesso ao seu diploma. Esse debate feito pela UNE, ainda no campo da abstração, precisa de corpo. Precisa de forma e mais, precisa ser pauta na luta política da classe trabalhadora brasileira, que necessita ainda superar as agruras de séculos de escravização nas relações de trabalho que diretamente tem a ver com a precarização da mão de obra ao expulsar os estudantes do Ensino Superior.

Uma crítica pela crítica da UNE, sem um olhar aprofundado, não terá a importância que o debate sobre o tema exige. Essa é uma crítica de quem conhece profundamente a União Nacional dos Estudantes e a educação brasileira. Espero que seja considerada no campo político e também como um ponto de reflexão. É isso!

Vinicius Brasilino, 32 anos, poeta, artista visual, roteirista e ator. É estudante de Ciência e Tecnologia EAD da UFMT, Presidente do Conselho Estadual da Juventude de Mato Grosso

>>> Siga a gente no Twitter e fique bem informado

FONTE : ReporterMT

PUBLICIDADE

NOTÍCIAS

Leia mais notícias