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quinta-feira, fevereiro 13, 2025

Lei Anti-Oruam: A favela só vira arte quando não é contada por quem a vive

Imagina só: você cresce em um bairro periférico, rodeado por desafios, mas também por uma cultura vibrante, que transforma dor em arte e realidade em música. O funk e o rap se tornam mais do que gêneros musicais; são vozes, desabafos e resistências. Aí chega uma lei dizendo que alguns artistas não podem mais se apresentar porque fazem “apologia ao crime”. Mas quem decide isso? E por que esse controle nunca recai sobre outros estilos musicais? Bem-vindo ao novo capítulo da censura seletiva no Brasil.

A recente proposta legislativa apresentada pela vereadora Amanda Vettorazzo, batizada popularmente de “Projeto Anti-Oruam“, reacende debates históricos sobre censura, liberdade de expressão e o eterno moralismo travestido de preocupação social. O projeto, que proíbe a contratação de artistas que supostamente façam “apologia ao crime e ao uso de drogas” em eventos da Prefeitura de São Paulo, é mais um capítulo da guerra seletiva contra a cultura periférica. Não é a primeira vez que o funk, o rap e suas variações são alvos preferenciais de iniciativas punitivas que miram a arte, mas ignoram as raízes do problema social.

A justificativa apresentada pela vereadora gira em torno da proteção da infância e da juventude. Quem poderia discordar disso? Ninguém quer crianças vulneráveis a discursos violentos ou influências negativas. Mas a questão central é: o que define “apologia ao crime”? E, mais importante, por que essa definição nunca se aplica a outros gêneros musicais? O sertanejo universitário, que enaltece o consumo abusivo de álcool, ou mesmo o rock, que por décadas flertou com referências a drogas e rebeldia, nunca foram alvo de proibições semelhantes. A repressão cultural sempre tem cor e endereço fixo.

Além disso, o projeto abre brechas perigosas para censura. O texto prevê sanções severas, incluindo a rescisão imediata de contratos e multas, caso um artista descumpra a cláusula de “não apologia”. Mas quem decide o que é ou não apologia? Uma interpretação subjetiva pode ser usada como ferramenta política para silenciar vozes incômodas. Basta lembrar que, historicamente, leis ambíguas serviram para perseguir artistas e criminalizar manifestações culturais de resistência.

Oruam é um dos principais nomes do funk atual, conhecido por suas letras que retratam a realidade das favelas e a vivência da juventude periférica. Além de sua ascensão na música, seu nome também gera polêmica por sua origem: ele é filho de Marcinho VP, um dos envolvidos no assassinato do jornalista Tim Lopes, em 2002. Essa conexão frequentemente alimenta debates sobre sua trajetória, sua música e o constante ataque à cultura periférica.

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) defendeu a proposta, afirmando que “apologia ao crime na cidade de São Paulo não irá acontecer”. Em suas declarações, enfatizou que artistas que promovem tal discurso não terão espaço em eventos financiados pela prefeitura e que a proposta não se trata de perseguição ao funk ou ao rap, mas de um caso específico. Questionado sobre Oruam, o prefeito ironizou: “Nunca ouvi a música desse cara, para você ver que tenho um bom gosto para música”. Seu posicionamento reforça como a política cultural da cidade continua sendo utilizada para limitar a presença da arte periférica nos espaços públicos.

No fim das contas, o “Projeto Anti-Oruam” não é sobre proteção da infância, mas sobre controle cultural. Se a preocupação fosse realmente o bem-estar dos jovens, o debate incluiria o acesso à educação de qualidade, lazer e oportunidades econômicas. Mas isso dá mais trabalho do que criar leis simbólicas que fazem barulho, mas pouco resolvem. Enquanto isso, a periferia segue criando, resistindo e ocupando os espaços que tentam lhe negar. Porque se tem uma coisa que a história mostra, é que a cultura marginalizada sempre encontra um jeito de se fazer ouvir, com ou sem permissão oficial.


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noticia por : UOL

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