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sexta-feira, fevereiro 7, 2025

Vou falar de Trump. Mas do Seu Roque também

Caro leitor,

Vou falar de Trump. Mas tenha um pouco de paciência, por favor. Porque ontem à noite, em meio a uma rara insônia, Seu Roque veio me visitar e eu preciso falar dele. Posso?

Seu Roque foi meu avodrasto. Tivemos pouquíssimo contato. Mesmo assim eu o guardo na memória como um símbolo de simplicidade e sabedoria silenciosa. Andava curvado e com as mãos para trás, Seu Roque, e nos registros da mitologia familiar consta que ganhara a vida como pipoqueiro.

Eu o amava. Um pouco porque sempre fui carente de avô e outro tanto porque ele contracenou comigo numa cena natalina que me marcou profundamente: a do menino sentado no colo do avodrasto, que da algibeira (sim, algibeira!) tira um relógio de bolso enquanto lhe dá conselhos para a vida toda. Conselhos dos quais o menino, hoje homem gordo, careca e velho, não se lembra.

To be

Quando Seu Roque morreu, eu tinha 12 anos. Foi a minha primeira perda. E também meu primeiro contato com a certeza de que um dia todos morreremos. Porque antes de enterrarem Seu Roque um coveiro retirou os restos mortais de alguém, levantando o crânio no ar para quem quisesse vê-lo. Eu vi e naquele momento me fiz Hamlet naquela cena que você conhece. Sem saber, naquele instante optei por to be.

Calma. Já vou falar de Trump. Prometo. Antes, porém, preciso me lembrar do choro que veio não sei de onde e até hoje me assusta. Foi depois do sepultamento, na saída do cemitério, quando nada mais havia a fazer a não ser tocar um tango argentino. Naquele instante, soube que era diferente. Talvez até um pouco errado. Foi também o choro mais doído que já chorei. Por um pipoqueiro que nunca vi fazendo pipoca e cuja voz e conselhos busco na memória – em vão.

Trump, finalmente

Mas agora – e já que você insiste – vou falar de Trump. Ou, por outra, vou passar o microfone para meu amigo Silvio Ribas, porque ainda estou tentando pegar ritmo e me adaptar à empolgação geral. Pois o Silvio escreveu um texto analisando esse novo jeito de governar democraticamente, mas sem fazer concessões aos grupos minoritários de pendor totalitário. Com Trump, o tal do soft power acabou, diz ele. E desenvolve:

“Em um momento em que as sociedades clamam por respostas imediatas, os líderes resolutos demonstram propensão a resolver seus impasses com confrontos diretos, como em um duelo ao meio-dia”.

Parece assustador porque é assustador. Sobretudo a ideia de “líderes resolutos”. Mas é por esse tipo de líder que o pessoal anseia e só me resta rezar para que eles, os novos líderes resolutos, sejam mais sábios do que os líderes resolutos de um passado recente.

Quanto a isso, aliás, o próprio Silvio Ribas nos tranquiliza dizendo que sobreviveremos a surgimento de uma “nova cultura política, na qual a clareza de posições e a exposição aberta dos recursos e planos substituirão as velhas ideologias e os jogos de bastidores”. Tomara.

Um abraço do
Paulo

noticia por : Gazeta do Povo

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