domingo, 18, maio , 2025 07:33

O alarmismo climático está fazendo os jovens desistirem de ter filhos

Nas últimas décadas, fomos bombardeados por cenários apocalípticos que pintam um futuro de desastres ambientais iminentes — do aquecimento global ao colapso de ecossistemas, da fome em massa às inundações catastróficas.

Em “Não é o Fim do Mundo” (selo Avis Rara), a cientista de dados Hannah Ritchie, da Universidade de Oxford, propõe a suspensão desse pessimismo e um olhar mais atento para os fatos. Baseada em pesquisas, gráficos e orientações práticas, Hanna demonstra que muitos dos alarmes disparados pela academia e os meios de comunicação podem ser relativizados — e mais do que isso: segundo ela, há caminhos possíveis para um futuro realmente sustentável.

No recorte a seguir, extraído da introdução do livro, a autora descreve como o medo do colapso climático tem afetado decisões fundamentais das novas gerações, como a de ter filhos. Também revela o poder dos números para desconstruir as profecias catastrofistas.

Hoje em dia se tornou algo comum dizer às crianças que as mudanças climáticas serão a causa da morte delas. Se uma onda de calor não acabar com elas, então será um incêndio. Ou um furacão, uma inundação ou a fome em massa.

Por incrível que pareça, muitas pessoas não hesitam nem por um segundo antes de contar essa versão a seus filhos. Não causa surpresa, portanto, que muitos jovens acreditem que seu futuro esteja em perigo.

Há um forte sentimento de ansiedade e medo a respeito do que o planeta nos reserva. Eu vejo isso diariamente nos e-mails que chegam à minha caixa de entrada.

Mas esse sentimento também aparece em pesquisas realizadas em todas as partes do mundo. Uma pesquisa global recente perguntou a 100 mil pessoas de 16 a 25 anos de idade qual era a opinião delas a respeito das mudanças climáticas.

Mais de três quartos das pessoas entrevistadas consideravam o futuro assustador, e mais da metade delas disse que a humanidade estava “condenada”. O sentimento de pessimismo era generalizado, desde o Reino Unido e os Estados Unidos até a Índia e a Nigéria.

Como se não houvesse amanhã

Independentemente do grau de riqueza ou de segurança, os jovens do mundo inteiro sentem que estão levando a vida como se não houvesse amanhã. Na mesma pesquisa, duas em cada cinco pessoas manifestaram dúvida quanto a ter filhos.

Em uma enquete de 2020 envolvendo adultos norte-americanos (de todas as idades) sem filhos, 11% deles afirmaram que as mudanças climáticas eram a “principal razão” para que não tivessem filhos, e outros 15% disseram que eram “uma das razões”.

Entre os adultos mais jovens (de 18 a 34 anos) esse sentimento ganha ainda mais força. Um entrevistado declarou: “Eu não me sinto com a consciência tranquila trazendo uma criança a este mundo e obrigando-a a tentar sobreviver em condições que possam vir a ser apocalípticas”.

Dos indivíduos pesquisados, 6% disseram estar arrependidos de terem tido filhos porque a ideia de que mudanças climáticas aguardavam seus filhos no futuro os desesperava.

É tentador rejeitar esses pontos de vista como palavras vazias. Mas um estudo recente, que não considera pesquisas, mas dados concretos sobre as decisões de procriação das pessoas, sugere que não ambientalistas estão 60% mais propensos a ter filhos do que os ambientalistas.

Naturalmente, essa pode não ser a única razão pela qual os ambientalistas estão menos propensos a ter filhos, mas ela nos fornece uma evidência concreta de que as pessoas não estão blefando quando dizem que a ideia de ter filhos as deixa angustiadas.

E se as pessoas não estão blefando quando demonstram hesitação em relação a ter filhos, elas provavelmente também não estão blefando quanto à apreensão que sentem e à destruição que preveem.

Ursos-polares passando fome

Sei por experiência própria que esses sentimentos são reais, porque já passei por essa situação. Um dia também já acreditei que não teria um futuro pela frente.

Passo a maior parte do tempo refletindo a respeito dos problemas ambientais do mundo. É o meu trabalho e a minha paixão, mas quase desisti dele.

Em 2010, comecei a minha graduação em geociência ambiental na Universidade de Edimburgo. Eu era uma garota universitária de 16 anos pronta para saber como faríamos para solucionar alguns dos maiores desafios do mundo.

Quatro anos mais tarde, saí de lá sem solução alguma; pior ainda: sentindo a carga opressiva de intermináveis problemas sem solução. Cada dia na universidade era uma lembrança constante da destruição que a humanidade trazia ao planeta.

Aquecimento global, elevação do nível do mar, acidificação dos oceanos, morte dos recifes de corais, ursos-polares enfrentando a fome, desmatamento, chuva ácida, poluição do ar, pesca predatória, derramamentos de petróleo e aniquilação dos ecossistemas do mundo. Não me lembro de ter ouvido falar de uma tendência positiva sequer.

Durante o tempo que passei na universidade fiz um esforço consciente para me manter a par das notícias. Eu precisava me informar a respeito do estado em que o mundo se encontrava.

Por toda parte viam-se imagens de desastres naturais, secas e rostos famintos. Pessoas pareciam estar morrendo como jamais antes; mais pessoas viviam na pobreza, e mais crianças estavam passando fome do que em qualquer outro período da história. Eu acreditava que estivesse vivendo no período mais trágico da humanidade.

Vergonha dos “pecados ecológicos”

Todas essas suposições estavam erradas. Na verdade, em quase todos os casos o mundo caminhava na direção contrária.

Você pode pensar que equívocos tão elementares seriam demolidos depois de quatro anos de permanência numa universidade de ponta que figura entre as melhores do mundo. Mas isso não aconteceu.

Pior: esses equívocos se tornaram ainda mais arraigados, pois a cada aula a vergonha dos nossos pecados ecológicos se intensificava mais. Esses anos causaram em mim um sentimento de impotência.

Apesar de trabalhar incansavelmente para obter o meu diploma, eu estava pronta para abandonar minha obsessão e encontrar um novo rumo profissional. Comecei me candidatando a empregos muito distantes da área de ciência ambiental.

Certa noite, porém, tudo mudou. Vi bolhas passando pela tela da televisão. E um homem pequeno as estava perseguindo.

“Ao longo da minha vida, ex-colônias ganharam independência e por fim começaram a se tornar mais e mais saudáveis. E aí estão elas agora! Países na Ásia e na América Latina começam a alcançar os países do Ocidente.”

As bolhas eram vermelhas e verdes e estavam sobrepostas num gráfico que parecia quase holográfico. O homem começou a agitar os braços, empurrando e depois arrastando as bolhas pela tela.

O entusiasmo dele tornava difícil adivinhar o seu sotaque, mas parecia sueco. “E eis aqui a África!”, ele exclamou.

Três minutos para mudar de opinião

O homem era Hans Rosling. Se você já o conhece, é bem provável que se recorde da primeira vez que o viu. Se não o conhece, me deixa com um pouco de inveja: você ainda tem a chance de se deparar com a sua magia pela primeira vez.

Rosling era um médico, estatístico e palestrante sueco. Uma análise do seu trabalho na [revista científica] Nature o retrata bem: “Três minutos com Hans Rosling mudarão a sua opinião a respeito do mundo”. Bem, mudaram a minha.

Devo dizer que a minha compreensão acerca do mundo estava errada. Não apenas ligeiramente errada. Eu supunha que tudo ia de mal a pior.

E eis que Rosling apareceu, movimentando-se agilmente sobre o palco, mostrando-me fatos embasados em dados sólidos. Ele me mostrou que eu havia entendido tudo errado.

Mas me disse isso de um modo que não fez eu me sentir como se fosse uma idiota. Era esperado que eu entendesse tudo errado. Como todos entendem. Essa se tornou a sua principal atração.

Ele reunia multidões de intelectuais, lideranças do mundo corporativo, cientistas e até especialistas em saúde mundial de organizações de mídia, do Google ou do Banco Mundial e lhes mostrava que eles eram completamente ignorantes acerca dos fatos mais básicos a respeito do mundo. E eles adoravam isso!

Assista aos vídeos dele e você ouvirá a plateia rindo da própria ignorância. Como professor, Rosling tinha uma generosidade inigualável.

Em suas palestras, Rosling esclarece o que os dados realmente nos dizem sobre as medidas mais importantes do bem-estar humano: a porcentagem de pessoas vivendo em extrema pobreza, o número de crianças morrendo, quantas meninas conseguiam ou não ir para a escola, e qual é a porcentagem de crianças vacinadas contra doenças.

Cientistas destoantes

Quase nunca paramos para verificar os dados sobre essas mudanças no desenvolvimento global. Em vez disso, assistimos às notícias diárias, e essas manchetes se tornam parte da nossa visão de mundo. Mas isso não funciona.

O objetivo das notícias é nos trazer algo novo — uma história única, um evento raro, o mais recente desastre. Como nós acompanhamos o noticiário, eventos improváveis passam a nos parecer prováveis. Mas muitas vezes eles não são.

Por isso eles se tornam notícia e conquistam a nossa atenção. Esses eventos e histórias únicos são importantes. Eles servem a um propósito. Mas é uma maneira terrível de compreender o cenário geral.

Muitas mudanças que moldam o mundo profundamente não são raras, excitantes, nem recebem destaque na mídia. São coisas persistentes que acontecem dia após dia e ano após ano até que décadas se passem e o mundo tenha sido alterado a ponto de se tornar irreconhecível.

A única maneira de enxergar realmente essas mudanças é parar e examinar os dados de longo prazo. Foi o que fez Hans Rosling com relação aos problemas sociais. O mesmo vale para os nossos problemas ambientais.

Por quase uma década pesquisei e escrevi sobre essas tendências, e chamei atenção para elas. Eu sou chefe de pesquisas da Our World in Data, onde examinamos os dados de longo prazo associados a cada um dos grandes problemas do mundo — desde pobreza e saúde até guerra e mudanças climáticas.

Também sou uma cientista destoante da Universidade de Oxford. Somos “destoantes” porque fazemos o contrário do que as pessoas esperam que acadêmicos façam.

Pesquisadores tendem a ampliar um problema a fim de chegar o mais perto possível e analisá-lo. Nós reduzimos o problema.

O que as manchetes não ensinam

Meu trabalho não é realizar estudos originais, nem obter grandes progressos científicos. Meu trabalho é entender o que nós já sabemos. Ou podemos saber se estudarmos adequadamente a informação que temos.

E depois explicar isso às pessoas: em artigos, no rádio, na televisão e em gabinetes governamentais a fim de que possam usar esse conhecimento para nos fazer avançar.

Assim como Hans Rosling mostrou que manchetes não nos ensinam muito sobre pobreza, educação ou saúde globais, percebi que tentar formar uma compreensão ambiental do mundo com base no último incêndio florestal ou no último furacão não é uma boa ideia.

Tentar compreender o sistema de energia do mundo e ajustá-lo com base em uma notícia de última hora não nos levará a lugar nenhum. Se quisermos objetividade, teremos de visualizar o quadro completo, e isso significa nos distanciar um pouco.

Se recuarmos vários passos, poderemos ver algo realmente radical, inovador e vitalizador: a humanidade se encontra em uma posição verdadeiramente única para desenvolver um mundo sustentável.

noticia por : Gazeta do Povo

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