Nos anos 80 e 90, Luiza Brunet era uma das modelos mais requisitadas do Brasil. Após ser descoberta pela Revista Manchete, ela iniciou uma carreira de sucesso que depois a levou à dramaturgia, ao empresariado e hoje se descreve como ativista.
Luiza Brunet esteve na ONU, na semana passada, com a delegação da Legião da Boa Vontade, LBV, participando da reunião mais importante do ano sobre os direitos das mulheres. Para ela, o tema da violência doméstica e de gênero é extremamente pessoal.
Violência e medo de morrer
Em 2016, Brunet foi agredida pelo ex-companheiro durante uma viagem a Nova Iorque. O caso foi parar na polícia e ele foi condenado.
Nessa conversa com o Podcast ONU News, ela conta como percebeu que estava num relacionamento abusivo e como outras mulheres devem se proteger da violência.
“No meu caso, muita coisa foi privada. Mas já estava começando acontecer também em restaurante, dentro de um barco, ou seja, em lugares públicos, então eu ficava extremamente envergonhada e aí, eu comecei a prestar a atenção.
Até que o último dia, aqui em Nova Iorque, em 2016, um dia depois da homenagem do Homem do Ano, uma festa glamurosíssima a qual a gente foi, aconteceu uma violência que eu realmente tive medo de morrer porque eu tive quatro costelas fraturadas, algumas escoriações pelo corpo grave, e eu decidi voltar para o Brasil e nesse dia eu interrompi esse relacionamento. Foi difícil? Foi dificílimo. Não é fácil para nenhuma mulher ter que denunciar um homem com o qual você teve um relacionamento, que você amou, seja pai dos seus filhos, seu companheiro, seu namorado, mas é preciso romper com o ciclo.”
A cada 10 minutos, uma mulher morta por companheiro ou parentes
Segundo as Nações Unidas, uma em cada três mulheres enfrentará violência de gênero em algum momento da sua vida. Muitos desses casos terminam em feminicídios.
Um estudo da ONU Mulheres e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, Unodc, revela que cerca de 51.100 mulheres e meninas foram assassinadas por um parceiro íntimo ou membros da família em 2023. A média é de um assassinato de mulher a cada 10 minutos.
Após ela mesma passar a fazer parte das estatísticas e ser vilanizada pela violência sofrida, Luiza Brunet conta que não permitiu ser “revitimizada” e numa reunião na Índia, tomou a decisão de ser uma voz para outras mulheres violentadas.

Luiza Brunet conta que não permitiu ser “revitimizada” e numa reunião na Índia, tomou a decisão de ser uma voz para outras mulheres violentadas
Mulheres políticas são desrespeitadas nos Parlamentos
“Você tem a Lei Maria da Penha que é uma lei muito segura para mulheres, é uma lei de proteção de mulheres. E aí eu viajo para fora do Brasil, para Itália, para a Espanha, para o Japão, para a Índia, lugares que eu já fui, e não existe lei que protege as mulheres. Então existe uma permissividade muito grande em relação às mulheres. A mulher é muito desvalorizada, ela não é respeitada. Você vê as mulheres políticas, elas são desrespeitadas no Parlamento. A gente tem várias questões de violências outras, né? Que também a mulher tem que suportar o tempo inteiro. Então é muito difícil ser mulher ainda. Por isso, o evento aqui da ONU é importante porque reúne pessoas que têm o propósito de vida de poder transformar. Eu acho que está todo mundo aqui no coletivo querendo transformar essa visão da violência para que a gente possa ter uma vida saudável e respeitosa que é o que a gente busca, né?”
Países se comprometeram em implementar avanços
Este ano, a 69ª. Sessão da Comissão do Estatuto da Mulheres, a maior reunião internacional sobre os direitos de meninas e mulheres, examina o progresso e avanço para a igualdade de gênero. Até hoje, nenhum país alcançou a paridade. A ONU Mulheres alerta: “Se nada mudar, o mundo precisará de 130 anos para chegar lá.”
Além do trabalho levado a cabo pela agência, a ONU fez da igualdade de gênero o Objetivo número 5 de Desenvolvimento Sustentável, que integra a Agenda 2030.
Em 11 de março, a Assembleia Geral adotou por consenso uma Declaração Política reafirmando o compromisso com o avanço dos direitos, da igualdade e do empoderamento para todas as mulheres e meninas.
O texto, adotado na terça-feira, na 69ª Reunião da Comissão sobre o Estatuto da Mulher, reconhece que 2025 representa uma “oportunidade significativa” para intensificar a implementação completa da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim sobre os direitos das mulheres, de 1995.
Os Estados-membros reafirmaram que a igualdade de gênero é essencial para o desenvolvimento sustentável e que irão atuar para garantir a “eliminação de todas as barreiras estruturais” que as mulheres enfrentam.

Luiza Brunet esteve na ONU, na semana passada, com a delegação da Legião da Boa Vontade, LBV, participando da reunião mais importante do ano sobre os direitos das mulheres
Leia a entrevista na íntegra:
ONU News: Você está aqui fazendo parte da delegação da LBV, a Legião da Boa Vontade nesse encontro que é o mais importante do mundo sobre os direitos das mulheres e meninas, a Comissão sobre o Estatuto das Mulheres. Qual é a sua participação nesse evento e o que você vai levar para casa desse evento?
Luiza Brunet: A minha participação é justamente para estar presente num momento tão importante. Aqui existem em torno de 10 mil pessoas, a maioria inclusive são mulheres. Mulheres que têm o mesmo propósito que eu, que você, que é tentar compreender por que a pauta da mulher não alavancou como deveria alavancar embora a gente tenha tido avanços no Brasil, mais que em outros países, mas ainda falta muito para que a mulher encontre essa paridade de gênero que a gente tanto busca.
ON: E você se tornou ativista com base numa história pessoa, uma história trágica, que ocorreu em 2016. Fala um pouco para a gente como essa experiência abriu seus horizontes para que você pudesse ajudar outras mulheres e outras pessoas nessa mesma condição.
LB: Ah, Monica, eu acho que eu poderia falar um pouco também da violência que eu sofri, que antecedeu essa violência em 2016. Na verdade, eu sou uma menina que assistiu à violência em casa. Eu sou filha de violência doméstica. Eu assisti a meu pai agredindo a minha mãe durante anos. Eu era muito menina, e eu já me colocava na frente dos dois tentando separar. Já existia ali um ativismo e uma vontade de que aquilo não acontecesse com a regularidade que acontecia, que era a violência. Meu pai era alcóolatra, desempregado e extremamente violento, embora um pai maravilhoso. A gente não minimiza o que ele fazia, mas ele era um pai, que quando estava sóbrio, um pai maravilhoso, muito carinhoso, uma pessoa que nunca tocou em nenhuma filha. Nós éramos cinco mulheres e um homem assistindo, mas eu sempre fui a que mais fiquei na frente. E a minha mãe passou durante muito tempo sofrendo violência e ela decidiu voltar para um subúrbio do Rio de Janeiro para a casa de uns parentes porque ela ali achou que ali ela poderia começar uma história nova, uma vida nova, e de fato, continuou também. Na verdade, aos 11 anos de idade, quando eu cheguei ao Rio de Janeiro, no subúrbio em Inhaúma, eu fui destinada para trabalhar numa casa de família, a princípio para brincar com dois meninos, depois eu fui fazendo todo o serviço da casa, como é normal. E ali, naquela casa, eu sofri um abuso sexual dentro dessa casa. Foi um momento muito difícil para mim porque a gente não tinha diálogo em casa. Não se falava sobre isso, nem sobre violência doméstica, nem sobre violência sexual infantil.

Luiza Brunet participou da 69ª. Sessão da Comissão do Estatuto da Mulheres, a maior reunião internacional sobre os direitos de meninas e mulheres
ON: Então, você manteve isso em segredo?
LB: Eu mantive esse segredo durante muito tempo. Um segredo que me incomodava demais. Eu tentava compreender, mas não entendia por que isso aconteceu comigo. E eu acabei me casando muito jovem com 16 (anos). Fui emancipada para me casar na verdade. Eu queria sair de casa, eu queria ter minha própria vida. Eu achava que trabalhar era muito importante, ter autonomia financeira, ter minha própria vida. E eu acabei me casando com um rapaz da zona sul do Rio de Janeiro, de classe média alta. E foi realmente um casamento maravilhoso, que durou quatro anos. Foi ali que iniciou minha carreira de modelo. Ele foi um homem que realmente cuidou de mim, que me ensinou muita coisa, foi um parceiro maravilhoso. E generoso. Uma pessoa que nunca me agrediu, ou seja, foi realmente um casamento gostoso. Mas, depois de quatro anos, eu me separei e casei com o pai da Yasmin e do Antônio, meu filho que tem 25 (anos), e a minha filha vai fazer 37 agora. Foi um casamento tumultuado? Foi como todo, principalmente um casamento longo. E no terceiro relacionamento com esse homem, eu acabei sofrendo violência doméstica aguda. Mas eu acho que uma criança que assiste à violência doméstica e ela também é abusada sexualmente, ela tem uma tendência a suportar mais violências. Ela acha que isso é normal. Então é assim: no meu último relacionamento, eu aceitei muita violência que antecedeu o último dia que eu decidi tomar uma atitude mais drástica de romper com o relacionamento.
ON: Eu queria saber como essa violência começa? Ela começa com brincadeiras, ela começa com palavras. Como é que você sentiu que estava um relacionamento abusivo? Antes, óbvio, que houvesse a gota d’água?
LB: Primeiro: os homens que são violentos com as mulheres, eles são – a princípio -homens maravilhosos. Eles têm uma forma de comunicação. Eles são muito amorosos, gentis, generosos.
ON: Manipuladores…
LB: É… manipuladores. Exatamente. Então, você acha que conheceu o homem da sua vida. E de fato, nos dois primeiros anos, foi maravilhoso, eu tive uma vida de princesa como toda mulher que sofre violência doméstica principalmente quando o poder aquisitivo é alto. Então, você tem uma vida maravilhosa. E aí começam então as proibições, começa a violência psicológica com palavras de baixo calão. Ou referências a outras pessoas comparando com você então ela é muito sutil. Você não percebe. É uma coisa que magoa. Você acha que foi um mau momento, que talvez você tenha provocado. E a gente precisa levar em consideração, né? Eu acho que quando um homem está se relacionando com uma mulher seja ela jovem ou madura, a gente conhece a forma como ele fala quando ele fala sobre outras mulheres, né? Por exemplo: “Ah, eu tenho uma amiga que se veste mal, ela é escandalosa, ela não serve para ser sua amiga”. Isso já é um indício que ele está tentando tirar você do seu círculo de amizade.
ON: Te isolar.
LB: E te isolar. Isso é assim o primeiro passo. E você acha que isso é cuidado, é amor. E de fato não é. É o começo de uma relação que vai se mantendo assim dessa forma até você levar o primeiro tapa. E o primeiro tapa, eu levei várias vezes. E não foi um tapa. Foram várias vezes, que eu sofri violência doméstica de forma muito grave. Eu tive um dedo da mão fraturado. Eu tive essa questão da coisa do enforcamento. E estava acontecendo em lugares públicos. Como acontece hoje em dia. A gente tem, através das redes sociais, as pessoas, hoje em dia, já têm uma noção sobre isso porque tem mais informação. Então, a gente vê muitos filmes de pessoas sendo agredidas e que são disponibilizados na internet. No meu caso, muita coisa foi privada. Mas já estava começando acontecer também em restaurante, dentro de um barco, ou seja, em lugares públicos, então eu ficava extremamente envergonhada e aí, eu comecei a prestar a atenção.
Até que o último dia, aqui em Nova Iorque, em 2016, um dia depois da homenagem do Homem do Ano, uma festa glamurosíssima a qual a gente foi, aconteceu uma violência que eu realmente tive medo de morrer porque eu tive quatro costelas fraturadas, algumas escoriações pelo corpo grave, e eu decidi voltar para o Brasil e nesse dia eu interrompi esse relacionamento. Foi difícil? Foi dificílimo. Não é fácil para nenhuma mulher ter que denunciar um homem com o qual você teve um relacionamento, que você amou, seja pai dos seus filhos, seu companheiro, seu namorado, mas é preciso romper com o ciclo.

Luiza Brunet se tornou ativista com base numa história pessoal que ocorreu em 2016
ON: Luiza, o número de feminicídios, e graças a Deus a sua história não terminou assim, mas a gente sabe que muitas terminam, aumentou mais de 30%, no Brasil, mas se a gente olhar também os dados de outros países… A grande realidade é que nenhum país tem igualdade de gênero. Mas eu gostaria de voltar, um pouco, ao que você disse. Foi um crescendo, em lugares públicos, e você é uma pessoa conhecida e esses incidentes também têm um efeito na sua carreira como você mesma já falou. Mas muitas mulheres com as quais a gente conversa, vítimas de violência doméstica, de gênero, elas dizem: “Não. Não vai acontecer nada não. Ele não vai me matar. Eu sei. Eu conheço os limites dele”. Isso é um perigo, não é?
LB: E muito perigoso. O homem… a violência começa sutil e ela vai até ao feminicídio. É como você falou: o feminicídio cresceu absurdamente no Brasil, no mundo. Mas o Brasil é o país que mais mata mulher trans, pra começar. O feminicídio cresceu demais. E na violação sexual infantil, o Brasil é campeão. Então, a gente precisa tomar isso, como sociedade civil, olhar para isso, começar a observar e apontar essas pessoas como criminosas, fazer denúncias anônimas. A gente tem canais no Brasil, 190 (telefone para denúncia), a Polícia Militar é muito rápida. Eu mesma já fiz várias denúncias anônimas. E tem resposta imediata e você fica com a polícia no telefone: “Estou chegando, cheguei. Está tudo bem”. Ou você tem o número 180 (Central de Atendimento à Mulher) do governo. Você tem a Lei Maria da Penha que é uma lei muito segura para mulheres, é uma lei de proteção de mulheres. E aí eu viajo para fora do Brasil, para Itália, para a Espanha, para o Japão, para a Índia, lugares que eu já fui, e não existe lei que protege as mulheres. Então existe uma permissividade muito grande em relação às mulheres. A mulher é muito desvalorizada, ela não é respeitada. Você vê as mulheres políticas, elas são desrespeitadas no Parlamento. A gente tem várias questões de violências outras, né? Que também a mulher tem que suportar o tempo inteiro. Então é muito difícil ser mulher ainda. Por isso, o evento aqui da ONU é importante porque reúne pessoas que têm o propósito de vida de poder transformar. Eu acho que está todo mundo aqui no coletivo querendo transformar essa visão da violência para que a gente possa ter uma vida saudável e respeitosa que é o que a gente busca, né?
ON: Ontem, o secretário-geral (da ONU) falou sobre isso. Ela usou uma expressão de que o veneno do patriarcado está se expandindo mais tem um antídoto que é ação. Eu queria falar sobre isso. Em contato com essas outras mulheres, o que você ouve? Porque elas não saem dessa situação. É uma questão de dependência emocional, é dependência financeira, é medo, é insegurança? O que se pode fazer além de denunciar porque até à denúncia é um caso complicado, muita gente tem medo, porque vai perder os filhos, enfim… todo mundo pode ajudar. Não é só a mulher que está sofrendo a violência?
LB: É claro. Esse combo que você falou é perfeito. Um dos fatores que mais deixam a mulher vulnerável é a falta de trabalho. Ou seja, o empreendedorismo feminino é muito importante. Fomentar o empreendedorismo feminino e as mulheres terem a oportunidade de trabalhar seja aonde for, isso dá uma autonomia financeira para ela. Eu falo que é o passaporte dela. Isso não quer dizer que a mulher que ganhe dinheiro está livre de sofrer abuso. Não está. Mas a mulher vulnerável que tem os seus filhos, que mora numa região mais vulnerável, ela vai suportar a violência dentro de casa, por que como ela vai sair? A família geralmente não apoia porque a mãe fala: “Ah, minha filha, é seu marido. Homem assim mesmo. Pra casa você não volta. É muita gente. Muita criança. São muitos filhos.” Então, isso também deixa a mulher muito vulnerável. Então, ela tem que decidir sozinha a continuar sofrendo e apanhando porque o marido, de vez em quando, dá um aporte financeiro para ela. É uma loucura. Você veja que em dia de jogo no Brasil. Hoje, em dia, tem as campanhas que estão acontecendo agora no Brasil, dentro dos campos de futebol para os homens, aumenta em 20%, 25% as agressões contra as mulheres, no dia do futebol.
Se ele ganhar ou se ele perder, tem muita violência dentro de casa quando tem futebol. Então assim, ela não está livre em lugar nenhum. A importunação sexual dentro dos coletivos. A mulher acorda 5 horas da manhã, 4 horas da manhã, para trabalhar como empregada doméstica numa casa ou em qualquer outro tipo de trabalho, e ela é importunada sexualmente dentro dos coletivos, dentro dos ônibus, dentro da rodoviária. Ou seja, na rua, então é muito triste. É uma perspectiva que a gente, a sociedade civil, precisa se colocar à disposição da própria sociedade de proteção às mulheres, e as meninas principalmente.
Eu tive recentemente, Monica, lá na Ilha de Marajó, que é o arquipélago mais bonito do mundo. É um lugar que poderia ter uma cultura de visitação de estrangeiros porque lá é muito bonito. Mas lá ainda existe a cultura do abuso sexual dentro de casa, é muito permissivo. E por uma razão muito ruim que é justamente a razão de eu estar aqui. Que é o trabalho que a LBV faz da insegurança alimentar. As crianças são destinadas aos homens dentro dos barcos ou em qualquer outro lugar troca de alimento.
ON: E um lugar inclusive onde as crianças são também exploradas sexualmente. Luiza, eu queria voltar a essa questão da gota d’água (do momento do basta) porque muitas mulheres que estão vendo a gente agora, elas querem saber: “o que eu faço, qual é a gota d’água, qual é o limite? O seu limite foi que você sentiu que você iria morrer…
LB: O meu limite foi o medo de que aquilo poderia ter resultado num feminicídio. Eu tenho meus filhos, eu tenho minha história, eu tenho minha vida e eu preservo isso. Eu sempre fui uma mulher idônea, eu sempre fui tão preparada para os relacionamentos, mas ali eu percebi, que pelo fato justamente de ter passado por tantas violações, eu minimizei o que eu já sabia que ia acontecer. Então esse medo e esse momento, ele vai chegar para qualquer mulher, Monica, em algum momento, vai cair a ficha de que ela precisa realmente sair porque ela é uma vítima potencial de um feminicídio. Então é muito importante de que quanto mais cedo, ela observe o comportamento do seu marido. Se ela já estiver incomodada com alguma bobagem que ela fala já é um indício de que ela precisa prestar a atenção para que o mal não aconteça.
ON: E também essa questão de que parece que as mulheres foram programadas, nós fomos programadas a defender. A gente defende o homem. E essa questão da educação, eu queria saber se você conversa, pelo mundo afora, sobre os meninos. Como eles estão crescendo, se eles vão ser defensores das mulheres e de um relacionamento sadio. De igualdade. Não é de domínio de um ou de outro, mas de igualdade. 50-50, como diz o Objetivo número 5 de Desenvolvimento Sustentável.
LB: É o que a gente está procurando. Então, eu acho que a educação é muito importante. O problema da educação é que tem começar dentro de casa. Eu criei meu filho e minha filha, a diferença deles é de 10 anos, mas eu sempre criei meus filhos com os preceitos básicos de respeito. Respeito a sua opção sexual, respeito a sua religião, respeito às pessoas, e eu consegui fazer também com que os meus filhos e o meu parceiro também que é o Armando, o pai dos meus filhos, embora a gente tenha se separado quando o meu filho tinha 8 anos, a gente conseguiu introduzir essa cultura dentro da educação deles, mas foi um esforço terrível porque o que vem de fora também… As famílias são muito desestruturadas, elas não têm essa base, né? E as escolas públicas também, você sabe que existe o problema de que as crianças não respeitam os professores. Então tem uma falta de respeito ali e acaba ficando uma educação frágil. Um círculo vicioso. É preciso que mude a base educacional, que seja mais rígida também para que as crianças aprendam com mais rigor. Eu acho que tem que ter mais respeito e rigor para que a gente viva numa sociedade igualitária como você falou se não, não existe o contraponto.
ON: Duas perguntas rápidas para terminar. A penúltima é a seguinte. Falar disso. Muitas pessoas que foram vítimas de violência de gênero, violência doméstica como no seu caso, violência a mulher, elas dizem que ter que contar de novo, reviver é muito difícil. No seu caso é difícil ou é uma terapia? Como você lida com isso porque não é fácil?
LB: É foi muito difícil quando eu sofri violência doméstica e decidi fazer a denúncia porque eu sofri muita revitimização, que é um julgamento além da coragem que eu tive de fazer a denúncia porque eu sou uma mulher muito conhecida e meu parceiro é um homem muito rico, ele é um empresário que tem uma visibilidade no que ele faz, então expor isso foi difícil para mim. Mas eu precisava fazer isso. E aí eu tive também essa revitimização. Lidar com isso é muito ruim. Você ser apontada como a mulher que quer se dá bem, que é golpista, que está fazendo isso por causa de dinheiro. E outras coisas mais que foram terríveis de lidar.

Luiza Brunet num encontro com mulheres empreendedoras
ON: Que é uma técnica, não é? Uma técnica de vilanizar a mulher.
LB: Claro. O agressor sempre coloca a erro na mulher. Ele sempre acusa a mulher, de que ela provocou. Ele diz: “Não. Eu sou perfeito. Eu não fiz nada. A verdade prevalecerá.” Que é uma frase que todos eles usam. É impressionante. Mas, com o passar do tempo, o meu processo acabou indo para o STF (Superior Tribunal Federal), e ele foi condenado na Lei Maria da Penha. A Lei Maria da Penha é uma lei que é um corretivo, mas é importante também quando você vê que um homem como ele foi condenado, isso também dá para as mulheres esperança de que a coisa não é bem assim, não é tão frouxa, mas infelizmente nem todas as mulheres tiveram a sorte que eu tive. Isso eu reconheço porque a justiça foi rápida de uma certa forma. Demorou quatro anos. Tem mulheres que acabam morrendo porque eles entram naquele limbo e não conseguem ver seu processo realizado. Eu estou com um segundo processo agora de reconhecimento, de união estável de cinco anos. Então todo o processo é muito doloroso, é muito longo, é muito demorado, a gente critica a justiça, mas hoje eu sei, eu entendo por que eu trabalho com o Conselho Nacional do Ministério Público, com o STJ, com o CNJ, inclusive até no STF já fiz eventos também. No Brasil inteiro, no Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça. Eu entendo que a justiça também tem o tempo dela e são muitos processos para serem resolvidos. Então, eu fico mais tranquila de saber que vai chegar a hora que vai ser resolvido. Então esse movimento que eu fiz, empoderou muitas mulheres no Brasil. Então eu acho que eu quebrei um paradigma também. E o fato de ter me tornado ativista foi justamente esse momento crucial que eu tive no dia, eu falei, eu vou falar para as mulheres sobre isso. E aí, eu fui me apoderando dessa pauta. Eu conhecia um pouco da lei, eu conhecia um pouco da história da mulher, mas não profundamente como eu conheço hoje. Eu já era embaixadora do Instituto Avon que fala sobre cuidados da mulher, câncer de mama e violência doméstica. Mas eu comecei a trabalhar bastante com isso. O primeiro evento importante que eu fiz, foi na Índia. Eu fui convidada para fazer um evento e tinha acabado de acontecer um estupro de uma menina de 12 anos por cinco rapazes dentro do ônibus com um cabo de aço. Você deve lembrar disso. E aí, eu fui para esse evento, eu falei, meu Deus, eu quero falar disso, eu fiquei impressionada com a qualidade da fala das mulheres, e como as mulheres são fortes e como elas querem transformar o mundo. E você vê a Malala lutando pela educação e tudo que ela sofreu. Então, esses exemplos fazem com que a gente acredite que a mulher vai transformar o mundo sim, mas a gente tem que trazer os homens juntos. Eu não vejo paridade na nossa fala, no que a gente deseja, se a gente não trouxer os homens para isso, para esse entendimento
ON: É uma cooperação. Então, para terminar, você está aqui como parte da delegação da Legião da Boa Vontade fazendo esse trabalho. E você não para, Luiza. Eu queria saber de projetos para esse ano de 2025.
LB: Eu acabei de criar um instituto, o Instituto Luiza Brunet porque estou em vários institutos, mas eu senti a necessidade de ter o meu próprio instituto. Eu sou uma pessoa super disponível para fazer trabalhos voluntários em qualquer lugar do Brasil. Inclusive com a LBV naquela crise que teve no Brasil com a catástrofe das enchentes e poder ver o trabalho que eles fazem e a forma como eles são carinhosos, como são prestativos. O resultado é positivo. Eu me coloco super à disposição como voluntária para eles e para outras plataformas também. Tenho feito também muitas viagens para fora do Brasil. Para a Itália, França, Alemanha, Japão, Índia, e viajando pelo Brasil inteiro, para falar para a mulher brasileira migrante que está passando por um momento agora muito difícil. E para contar também a minha história e valorizar elas porque são mulheres corajosas que saem do Brasil, deixam sua história, sua família, conhecem uma pessoa fora do Brasil, ou vêm mesmo com seu parceiro brasileiro para começar uma história nova e são mulheres que são muito corajosas. Muitas vezes, elas estão aqui ainda indocumentadas, elas têm medo de serem deportadas. É o que está agora. Então, eu falo para essas mulheres o quanto elas são valiosas, o quanto elas fazem parte da economia do país que elas escolheram, que elas precisam ser respeitadas como ser humano, como qualquer pessoa que vive e mora nesse país.
ON: Luiza Brunet, muito obrigada pela sua entrevista ao Podcast ONU News. Volte sempre. A casa é sua.
LB: Ah, obrigada Monica. Que prazer te rever depois de tanto tempo! A gente é parceira de uma era que era tão maravilhoso. Mas a gente não falava sobre isso, né? E como é importante o nosso amadurecimento e você como jornalista levando a mensagem do que a gente vivenciou. Então essa parceria é maravilhosa. Muito obrigada!
FONTE : News.UN