sábado, 3, maio , 2025 07:15

Estrogênio é mais que um hormônio sexual e molda o cérebro durante toda vida

A versatilidade do estrogênio é reconhecida entre os cientistas. Além de desempenhar um papel fundamental na saúde sexual e reprodutiva, ele fortalece os ossos, mantém a pele macia, regula os níveis de açúcar, aumenta o fluxo sanguíneo, reduz a inflamação e apoia o sistema nervoso central.

“Mencione qualquer órgão, e ele promove a saúde desse órgão”, diz Roberta Brinton, neurocientista que lidera o Centro de Inovação em Ciência do Cérebro na Universidade do Arizona.

Mas o reconhecimento do papel mais abrangente do estrogênio tem sido lento. O composto foi identificado pela primeira vez em 1923 e desde então ficou conhecido como o hormônio sexual feminino —uma reputação unidimensional incorporada em seu próprio nome.

Estrogênio vem do grego oestrus, literalmente uma mutuca conhecida por deixar o gado em frenesi. Cientificamente, estro passou a significar o período nos ciclos reprodutivos de alguns mamíferos quando as fêmeas estão férteis e sexualmente ativas.

Humanos não entram no estro; eles menstruam. No entanto, quando os pesquisadores nomearam o estrogênio, esses foram os papéis que lhe atribuíram: induzir um frenesi e apoiar a saúde sexual feminina. Agora, o estrogênio está ganhando reconhecimento pelo que pode ser seu papel mais importante até agora: influenciar o cérebro.

Neurocientistas descobriram que o estrogênio é vital para o desenvolvimento saudável do cérebro, mas que também contribui para condições como esclerose múltipla e Alzheimer. Mudanças nos níveis de estrogênio —seja do ciclo menstrual ou de fontes externas— podem exacerbar enxaquecas, convulsões e outros sintomas neurológicos comuns.

“Existe um grande número de doenças neurológicas que podem ser afetadas por flutuações de hormônios sexuais”, diz Hyman Schipper, neurologista da Universidade McGill, que listou uma dúzia delas em uma revisão recente na revista Brain Medicine. “E muitas das terapias usadas na medicina reprodutiva deveriam ser reaproveitadas para essas doenças neurológicas.”

Hoje, a percepção de que hormônios sexuais são também hormônios cerebrais está transformando como os médicos abordam a saúde e as doenças do cérebro —ajudando-os a orientar o tratamento, evitar interações prejudiciais e desenvolver novas terapias baseadas em hormônios.

Estrogênio em ascensão

Nas mulheres, o estrogênio é produzido principalmente nos ovários, com uma parte também produzida pelas glândulas adrenais e células de gordura. Nos homens, o estrogênio é convertido a partir da testosterona nos testículos e é crucial para a produção de esperma, força óssea, função hepática, metabolismo de gordura e mais.

Mas em ambos os sexos, o cérebro também produz seu próprio estrogênio, ressaltando sua importância neurológica. “O cérebro é parcialmente um órgão endócrino”, diz Lisa Mosconi, neurocientista que dirige a Iniciativa do Cérebro Feminino na Weill Cornell Medicine.

O cérebro é rico em receptores de estrogênio, que piscam ligando e desligando ao longo da vida. Antes, pensava-se que esses receptores estavam agrupados em torno de estruturas com funções reprodutivas específicas, como a hipófise e o hipotálamo. Na verdade, “eles estão em toda parte”, diz Mosconi, que desenvolveu uma técnica de escaneamento PET para ver esses receptores em um cérebro vivo. “Não conseguimos nem encontrar uma região que estivesse completamente vazia”, diz ela.

No cérebro, o estrogênio pode se ligar diretamente aos receptores dentro dos neurônios e outras células, desencadeando uma cascata de ações. Também pode ser decomposto em metabólitos, chamados neuroesteroides, que exercem seus próprios efeitos de longo alcance.

Alguns desses neuroesteroides foram transformados em suas próprias terapias: a alopregnanolona, um metabólito da progesterona, é a base de um medicamento usado para tratar certos tipos de epilepsia. O mesmo metabólito está em ensaio clínico como potencial terapia regenerativa para a doença de Alzheimer.

No útero, o estrogênio da gestante ajuda a organizar os circuitos neurais do embrião, direcionar a produção de células cerebrais e influenciar o crescimento de diferentes regiões do cérebro. Durante transições importantes como puberdade, gravidez e menopausa, o estrogênio ajuda a podar e reconectar o cérebro mais uma vez.

Mas os pesquisadores agora sabem que o estrogênio está moldando o cérebro em todas as fases da vida. Ele pode modular o disparo dos neurônios, reduzir a inflamação, aumentar a neuroplasticidade, ajudar a transformar a glicose em energia, prevenir o acúmulo de placas e melhorar o fluxo sanguíneo no cérebro.

Nem todos esses efeitos são positivos. Em roedores, Schipper descobriu que o uso de estrogênio a longo prazo pode envelhecer certas partes do cérebro. “Nenhum desses hormônios faz apenas uma coisa”, diz ele.

Gravidez e o cérebro

Neurocientistas no passado sabiam que o estrogênio tinha impactos além do sistema reprodutivo. Mas optaram por não estudá-los. Antes de 2016, geralmente excluíam animais fêmeas dos experimentos para evitar ter que lidar com diferenças no comportamento e fisiologia associadas aos hormônios cíclicos.

“Como você vai saber se os estrogênios são neuroprotetores se você nem faz experimentos em fêmeas?”, diz Rhonda Voskuhl, neurologista do Programa Abrangente de Menopausa da UCLA. “Faça-me o favor.”

Em 1998, Voskuhl estava procurando uma molécula que protegesse o cérebro dos efeitos da esclerose múltipla (EM), na qual o sistema imunológico ataca as células nervosas, removendo seu revestimento protetor. A EM afeta cerca de 1 milhão de americanos, a maioria mulheres.

Sua busca começou com uma observação clínica: sabia-se que a gravidez protegia as mulheres contra os sintomas de EM. Durante o terceiro trimestre, as taxas de recaída caem 70%; a gravidez, ao que parece, é pelo menos tão eficaz quanto os melhores medicamentos. Mas essa proteção é temporária. Após o parto, o risco de recaída aumenta drasticamente.

Voskuhl sabia que o sistema imunológico se acalma na gravidez, presumivelmente para proteger o delicado enxerto meio estrangeiro que é um embrião. Mas ela suspeitava que havia mais nisso.

“Faz sentido que a mãe tenha algo que não seja apenas anti-inflamatório, mas também neuroprotetor”, diz.

Essa substância acabou sendo o estriol, uma forma de estrogênio produzida principalmente pela placenta. Em 2016, em um ensaio clínico randomizado com 164 mulheres, Voskuhl mostrou que o tratamento com estriol administrado durante dois anos reduziu significativamente as recaídas de EM. Também pareceu melhorar a cognição e reduzir a atrofia da matéria cinzenta.

O estriol era conhecido por ser seguro: pacientes na menopausa na Europa o utilizam há décadas. E diferentemente do estradiol, ele não se liga fortemente aos receptores na mama, o que significa que não vem com o mesmo risco de câncer de mama a longo prazo. Potencialmente, poderia até ser usado em homens, disse Voskuhl. “É um presente para os cientistas”, acrescenta.

Voskuhl agora está estudando se a descoberta vale não apenas para pacientes com EM, mas para todas as mulheres que passam pela menopausa. Ela desenvolveu uma terapia hormonal patenteada, PearlPAK, que contém estriol e está sendo vendida pela empresa CleopatraRX, da qual ela é consultora médica.

O site afirma que o PearlPAK pode abordar “problemas de memória e saúde cognitiva causados pela menopausa“. Mas essa é a hipótese que Voskuhl está tentando testar, monitorando anualmente mulheres usando PearlPAK com testes cognitivos. A necessidade era muito urgente, disse ela, para que as mulheres esperassem pelo improvável evento de que os Institutos Nacionais de Saúde ou uma empresa farmacêutica financiassem um ensaio clínico randomizado. “Estou apenas pegando a maneira como fazemos as coisas na EM e tentando aplicá-la à menopausa”, disse ela.

Um legado conturbado

Esta não seria a primeira vez que a terapia com estrogênio é sugerida como uma cura cognitiva universal para mulheres na menopausa. “Antes de 2000, parecia que o estrogênio era uma panaceia”, diz Schipper.

Naquela época, acreditava-se que o hormônio protegia o cérebro em envelhecimento contra derrame e Alzheimer, uma ideia apoiada por numerosos estudos em animais e alguns estudos observacionais em humanos.

A maré virou em 2003. O Estudo de Memória da Iniciativa de Saúde da Mulher, um ensaio clínico histórico que acompanhava os efeitos a longo prazo da terapia hormonal em mulheres na pós-menopausa, descobriu que mulheres mais velhas no estudo tomando estrogênio —em oposição a estrogênio mais progesterona— tinham o dobro do risco de demência em comparação com aquelas que tomavam placebo.

Os médicos pararam de prescrever estrogênio para mulheres na pós-menopausa, e as mulheres pararam de tomá-lo por medo. A atitude entre muitos cientistas era: “Por que estudá-lo? Ninguém vai tomar estrogênio mais, então não há sentido”, diz Margaret McCarthy, neurocientista da Universidade de Maryland. “Foi terrível para a pesquisa.”

Mais tarde, ficou claro que essa descoberta era válida apenas para mulheres que começaram a terapia com estrogênio aos 65 anos ou mais, pelo menos 10 anos após seu último período menstrual. Para mulheres de 50 a 55 anos, uma meta-análise descobriu que o efeito do estrogênio sobre o risco de demência era neutro. Mulheres mais jovens não foram incluídas na Iniciativa de Saúde da Mulher.

Os pesquisadores agora tinham que ir além da ideia de que o estrogênio era neuroprotetor e fazer uma pergunta mais matizada: Exatamente quando e como esse hormônio protege o cérebro?

Focando nas origens do Alzheimer

Em nenhum lugar o papel do estrogênio na saúde cerebral é mais aparente do que na menopausa, quando sua retirada pode contribuir para os sintomas cognitivos que as mulheres na meia-idade conhecem e odeiam: ondas de calor, sono interrompido, névoa cerebral. A perda de estrogênio é uma razão primária, acreditam alguns neurocientistas, pela qual o Alzheimer afeta duas vezes mais mulheres do que homens.

À medida que os níveis de estrogênio diminuem, o metabolismo do cérebro muda. Até a menopausa, o cérebro funciona principalmente com glicose, que o estrogênio ajuda a converter em energia. Na menopausa, o cérebro começa a depender de combustíveis alternativos, incluindo sua própria matéria branca, descobriu Brinton em estudos com animais.

“É uma resposta à fome”, diz ela. “Isso não tem nada a ver com capacidade reprodutiva, mas tudo a ver com o cérebro passando por um estado de transição.”

Essa mudança poderia marcar quando a vulnerabilidade ao Alzheimer começa —e, teoricamente, quando a terapia com estrogênio ou outra intervenção poderia ajudar a prevenir o declínio cognitivo. Mas Brinton não tinha como ver isso em um cérebro humano. Em 2014, ela procurou Mosconi, especialista em neuroimagem, para obter ajuda.

Naquele momento, os médicos podiam medir os níveis de estrogênio apenas no sangue.

Mas milhões de americanos estavam em algum tipo de terapia à base de estrogênio, percebeu Mosconi, e ninguém sabia o que isso estava fazendo aos seus cérebros. “É ridículo”, fala. Então, ela desenvolveu uma técnica de imagem para ver receptores de estrogênio no cérebro, reaproveitando um marcador usado para detectar os mesmos receptores no câncer de mama.

Em 2024, ela e Brinton ficaram surpresas ao descobrir que, após a menopausa, o número de receptores de estrogênio no cérebro parecia aumentar drasticamente, talvez numa tentativa de captar mais desse hormônio. Mas, curiosamente, quanto mais receptores de estrogênio uma mulher tinha, piores eram suas pontuações de memória e cognição.

Em fevereiro, Mosconi iniciou um programa de pesquisa de 50 milhões de dólares financiado pela Wellcome Leap chamado Reduzindo o Risco de Alzheimer Através da Endocrinologia.

Ela espera identificar quais mulheres estão mais em risco de Alzheimer devido a mudanças cerebrais relacionadas ao estrogênio, e descobrir se a terapia hormonal administrada durante uma janela crítica de tempo poderia ajudar a reduzir esse risco.

A resposta pode não ser tão simples quanto descobrir quando usar um adesivo de estrogênio. “Há todo um sistema que precisa ser melhor compreendido antes de mexermos com ele”, adverte.

noticia por : UOL

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