Quando povos indígenas tupi-guarani se depararam com uma paisagem esbranquiçada formada por árvores e arbustos de troncos claros, eles a batizaram de “mata branca” (ka’a tinga). Exclusivamente brasileira, a Caatinga ocupa a região semiárida do Nordeste, onde vivem cerca de 28 milhões de pessoas, e é um bioma especialmente frágil, que vem sofrendo danos ambientais irreversíveis.
Especialmente vulnerável aos impactos das mudanças climáticas –por seu clima seco e regeneração lenta–, a Caatinga enfrenta um mal ainda sem cura: a desertificação. Esse processo avançado de degradação ambiental acontece quando o solo, antes coberto de vegetação nativa, se transforma em um terreno árido, parecido com um deserto, perdendo sua capacidade de sustentar a vida de plantas e animais. Causada por processos naturais, como temperaturas elevadas e ausência de chuvas, a desertificação é potencializada por ações humanas, como desmatamentos, queimadas e uso não sustentável do solo.
A solução, porém, talvez não esteja muito distante. Em uma saída de campo na cidade de Irauçuba, no Ceará, para investigar como alguns microrganismos respondiam ao processo de desertificação, o engenheiro agrônomo Arthur Prudêncio, professor da Universidade Federal do Ceará, se surpreendeu com a presença de crostas biológicas no chão –uma fina camada formada por bactérias que agrupam as partículas do solo, deixando-o mais agregado e resistente aos agentes erosivos.
“Essas bactérias liberam compostos orgânicos, sobretudo carboidratos, produzidos durante a fotossíntese”, explica o professor. “No esforço de sobreviver, elas acabam gerando biofilmes [as crostas biológicas] que deixam o solo mais fértil e protegido.”
Uma área desprovida de cobertura vegetal –como aquelas em estado de desertificação– está exposta às ações do vento e da chuva, as quais, ocasionando uma perda substancial do solo, dificultam sua regeneração. É aí que as crostas biológicas podem ter uma importância crucial. O assentamento dessas comunidades de bactérias está diretamente relacionado ao aumento do carbono, do nitrogênio e de outros elementos benéficos, estabilizando o solo e proporcionando o surgimento de novas formas de vida, como fungos e pequenas plantas. “Recomeça, então, o processo de cobertura daquela área”, diz Prudêncio.
O cientista e seu grupo de pesquisa apostam em isolar essas bactérias e induzir de forma artificial a formação de crostas que poderão acelerar a recuperação de áreas degradadas do semiárido. Atualmente, o estudo ainda procura isolar e identificar as bactérias que melhor produzem esses compostos.
A primeira publicação sobre o tema despertou o interesse da comunidade científica do Nordeste: pesquisadores de outros estados se perguntaram como esse processo das crostas biológicas acontecia em seus territórios. Prudêncio então deu início à formação de uma rede de coleta e análise de dados que se desenvolveu em hubs espalhados pela região, resultando na Caatinga Microbiome Initiative. A rede, que envolve mais de 20 professores e pesquisadores do Brasil e do exterior, busca estudar o bioma e sua relação com a saúde do solo a partir de uma investigação holística.
“Eu sou apaixonado pela Caatinga”, afirma o pesquisador, nascido em Pernambuco. “Sou nordestino e me sinto comprometido com a preservação do bioma. E também sei que existe muita riqueza em vias de ser descoberta.” Como o bioma é pouco explorado, é bastante alta a probabilidade de encontrar bactérias ainda não descritas, bem como novos processos biotecnológicos.
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Pedro Lira é jornalista e social media no Instituto Serrapilheira.
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noticia por : UOL