Parecia que Walter Wilhelm Flegel já tinha vivido aventuras suficientes: nascido na antiga Prússia Oriental, mudou-se para a América do Sul na década de 1930, foi trabalhar em uma serraria no Chile e foi preso diversas vezes por praticar delitos na Argentina.
Já com 48 anos e tentando sustentar a mulher e três filhas, ele tinha deixado as prisões no passado ao conseguir emprego em uma construtora de Buenos Aires. Mas as autoridades argentinas tinham outros planos. De 23 a 30 de setembro de 1960, Flegel voltou a ser detido, mas desta vez ao ser confundido com Martin Bormann, secretário particular de Adolf Hitler.
Mais de cem páginas de documentos tratam da prisão de Flegel, que estão disponíveis para consulta online desde o fim do mês passado, após o governo argentino liberar um conjunto de sete arquivos que tratam da passagem de criminosos nazistas pelo país.
A polícia descrevia Flegel como um homem de cultura razoável e que se expressava bem, mas que tinha um aspecto físico que o distinguia e deveria facilitar a sua identificação: a falta do braço direito, que ele perdeu em um acidente de trabalho em 1931.
As autoridades apontaram que suas passagens anteriores pela polícia comprovavam que esteve preso na Argentina antes do fim da Segunda Guerra Mundial.
Em 15 de agosto de 1932, foi detido por assalto, roubo, incêndio e lesões; em 13 de fevereiro de 1936, por lesões graves, tendo sido sentenciado com penas acumuladas em 11 anos de prisão; em 6 de agosto de 1943, foi detido novamente para averiguação de antecedentes.
Após essas passagens, ele viveu como vendedor ambulante até conseguir um emprego como vigia de galpões de uma empreiteira na capital argentina, onde era considerado um funcionário exemplar. Casou-se em 1947 e se estabeleceu em Zárate, cidade na província de Buenos Aires, onde mais tarde foi confundido com Bormann e preso.
Embora a semelhança entre o vigia e Bormann fosse superficial, os vizinhos da família em Zárate contribuíram para a confusão das autoridades, divulgando boatos sobre Flegel.
Segundo um desses boatos, a esposa de Flegel teria mencionado certa vez que ele estaria envolvido com o envio do navio de guerra alemão Graf Spee, que protagonizou um confronto no rio da Prata com embarcações inglesas. No entanto, as datas não batiam, já que o homem estava na Argentina antes que o navio fosse afundado na costa do Uruguai, em 1939.
Em depoimento, o imigrante afirmou que não participava de atividades sociais e se dedicava apenas ao trabalho. O documento oficial da polícia argentina, de 2 de outubro de 1960, um mês após a prisão, reconhece o equívoco.
“Agora tendo estabelecido que se trata de Walter Wilhelm Flegel, que foi detido na localidade de Zárate, que entre os anos e 1932 a 1943 esteve preso na cidade de Mendoza, não do hierarca nazista Martin Bormann, que segundo informações teria ingressado no país depois do fim da guerra, em 1945.”
O relatório do serviço federal de segurança diz que foram comparadas as impressões digitais do homem detido com as dos registros policiais das outras passagens de Flegel pela polícia —tratava-se da mesma pessoa. As autoridades descartaram que os registros pudessem ter sido fraudados.
Grupos israelenses que se dedicavam a buscar o paradeiro de fugitivos nazistas também afirmaram que se tratava de um equívoco.
A queda do Terceiro Reich foi sucedida pela caçada de diversos líderes nazistas que fugiram, e Bormann foi supostamente reconhecido na América do Sul em diferentes ocasiões.
O alemão Juan Hartmann foi apontado, na Colômbia, como sendo o nazista usando uma nova identidade. Ele ficou cinco dias preso até ser liberado, em 19 de março de 1972, no departamento de Nariño, no oeste do país. A prisão ocorreu após uma revista colombiana publicar uma série de fotos de Hartmann como sendo Bormann.
Em maio do mesmo ano, surgiu a informação de que o criminoso nazista poderia estar vivendo na Bolívia, na fronteira com a Argentina e o Paraguai, fingindo ser um sacerdote chamado Augustín Von Der Lange-Lenbach e dirigindo uma empresa de comércio exterior. Nos registros do Arquivo Federal da Alemanha porém, Bormann se suicidou em 2 de maio de 1945, diante do cerco de militares russos durante a queda de Berlim.
noticia por : UOL