terça-feira, 1, abril , 2025 10:07

Acusados de violência doméstica oscilam entre negação e compreensão de atos em sessões de conversa

Em rodas de conversa com homens enquadrados na Lei Maria da Penha, não há consenso. O que os une é o motivo de estarem nessas sessões, mas opiniões, idades e estilos de vida divergem.

A Folha acompanhou três rodas de conversa com homens denunciados sob a suspeita de cometerem violência doméstica. Duas delas foram promovidas pelo grupo E Agora, José?, em Santo André (SP), e uma pelo Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, de forma online. Eles não serão identificados nesta reportagem.

Há homens de 20 a 60 anos. Alguns elogiam a Lei Maria da Penha, enquanto outros lamentam sua existência. Alguns mantêm relacionamentos de décadas, outros estão solteiros há anos e optam por conversas com o ChatGPT.

As rodas são usadas para a reabilitação, e os agressores são obrigados a participar delas. A iniciativa é amparada pela lei, que recomenda a criação de espaços de educação e reabilitação.

No início, é comum, segundo os mediadores, que os homens mantenham a postura de negação. Em uma das rodas, um dos presentes pediu para ser tratado como vítima, mas logo foi repreendido. Na sequência, justificou-se dizendo que queria ser visto como uma pessoa que tenta melhorar.

Durante as sessões, alguns se empolgam, gostam de se expressar e até choram ao relatar o que os levou até ali, enquanto outros preferem o silêncio. Há quem cite a Bíblia para dizer que a mulher deve ser submissa e também quem fique indignado com falas misóginas.

Embora, no geral, os participantes aparentem distinguir atitudes machistas, a maioria derrapa em conceitos estereotipados sobre o papel da mulher.

Em uma sessão, por exemplo, mediadores pediram que os presentes contassem sobre a divisão de tarefas em casa. Quando alguns disseram que ajudavam suas mães ou companheiras, ouviram que não se trata de ajuda, mas de uma responsabilidade compartilhada. Poucos minutos depois, o termo “ajuda” voltava a aparecer.

Em outro momento, durante debate sobre a desigualdade de gênero, um participante afirmou que a diferença salarial entre homens e mulheres era culpa delas.

Posturas como essa tendem a mudar ao longo dos encontros, segundo os mediadores, e os homens começam a compreender por que estão ali. Ao final do curso, é comum afirmarem que a experiência foi transformadora.

Naquela que era sua última sessão, um deles reconheceu ter errado e afirmou que gostaria de retornar um dia à conversa, desta vez para acrescentar.

Embora o objetivo não seja terapia em grupo, as conversas ganham um tom terapêutico, explica o pesquisador Ivan Baraldi, que ministra sessões no Coletivo Feminista. “Muitos deles nunca tiveram essa oportunidade. Normalmente, conversam com amigos contando vantagem sobre mulheres, mas raramente falam de sentimentos.”

Devido à alta demanda, hoje o coletivo tem recebido apenas homens denunciados. Para Baraldi, no entanto, os grupos também têm caráter preventivo e deveriam incluir jovens.

Flávio Urra, psicólogo e coordenador do E Agora, José?, afirma que o trabalho é importante, mas ressalta que não há garantias de que um agressor deixará de cometer violência.

“Não coloco a mão no fogo por nenhum deles. Trabalhamos para que repensem o machismo. Eles saem melhores do que se estivessem nas prisões de São Paulo, onde não vemos esse trabalho de reflexão.”

Foi pensando nisso que, no Rio de Janeiro, rodas de conversa foram implementadas neste ano na Cadeia Pública Juíza Patrícia Acioli. Dos 1.218 internos, 59% estão presos por violência contra a mulher, a maioria por lesão corporal.As conversas, ministradas pelo Instituto Mapear, abordam paternidade, violência, emoções e saúde mental.

Um mapeamento realizado em 2023, comandado por entidades como o Cocevid (Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário Brasileiro), aponta que todos os estados do Brasil possuem ao menos uma roda de conversa para homens.

O Paraná, segundo o levantamento, tem mais de cem rodas de conversa. Rondônia, onde as sessões ocorrem desde 2009, também aparece como destaque.

Na época, Álvaro Kalix Ferro, hoje desembargador do Tribunal de Justiça de Rondônia, percebeu que as punições aos réus não resolviam os problemas e que era preciso trabalhar os aspectos culturais para enfrentar a reincidência.

Apesar disso, ainda há poucas rodas ofertadas. Para a juíza Tereza Cabral Santana, da Vara Especializada de Violência Doméstica de Santo André (SP), há uma concentração de rodas nas capitais e grandes cidades, mas falta capilaridade, reconhecimento dos grupos como política pública e preparo de instituições que consigam proporcionar uma reflexão nos agressores.

“Não vamos mudar centenas de anos de patriarcado em 20 sessões, mas precisamos, enquanto sociedade, investir e acreditar na mudança de comportamento.”

noticia por : UOL

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