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Quem foi o juiz da Suprema Corte David Souter, “traidor” da direita americana

Faleceu em 9 de março o ex-juiz da Suprema Corte americana David Souter. Integrante da mais alta corte dos Estados Unidos entre 1990 e 2009, Souter foi famoso por ser uma indicação da direita americana que acabou sendo um dos mais sólidos adeptos das teses da esquerda, numa virada historicamente relevante por impedir o domínio de fato dos conservadores na Suprema Corte, apesar da maioria de indicados do Partido Republicano.

O alinhamento de Souter à esquerda garantiu um delicado equilíbrio político de décadas no tribunal constitucional dos EUA, com quatro juízes conservadores, quatro progressistas e um moderado, sendo Souter contado entre os progressistas. O equilíbrio só viria a ser rompido em 2017, com a primeira de três indicações feitas pelo presidente Donald Trump, inaugurando a atual maioria republicana de seis, contra três indicados pelo Partido Democrata.

Perfil político

Originalmente indicado ao cargo em 1990 pelo então presidente conservador George H. W. Bush (1989-1993), do Partido Republicano, e enfrentando votos contrários da esquerda no Senado, Souter surpreendeu ambas as alas políticas ao se consolidar como um dos juízes mais progressistas da Suprema Corte.

Em levantamento dos pesquisadores Lee Epstein e Andrew D. Martin, baseado nos votos proferidos, Souter foi considerado o 16º mais progressista entre 81 juízes em atuação no tribunal desde 1937, superando grande parte dos indicados por presidentes do Partido Democrata, de esquerda.

A inesperada aposentadoria voluntária de Souter em 2009, aos 69 anos e sem problemas de saúde conhecidos, ocorreu meses após a eleição do esquerdista Barack Obama à presidência. Ao contrário do que ocorre no Brasil, as leis dos Estados Unidos não preveem idade de aposentadoria compulsória no tribunal constitucional.

Segundo o jornal The New York Times, David Souter teria admitido a amigos que sua decisão por se aposentar vinha sendo adiada para não presentear o então presidente conservador George W. Bush (2001-2009) — filho de quem o indicara — com a possibilidade de indicar o sucessor para a vaga.

O empossamento original de George W. Bush como presidente em 2000 tinha dependido de apertada votação de 5 a 4 na Suprema Corte, com o juiz Souter se filiando à minoria que votou de forma desfavorável a Bush.

Com a aposentadoria de Souter em 2009, a maioria conservadora na Suprema Corte foi novamente evitada e o Partido Democrata ganhou a chance de fazer a sua primeira indicação para o tribunal em quase 16 anos. A vaga foi para a atual juíza Sonia Sotomayor, primeira integrante de origem latino-americana e a mais progressista da atual composição.

Atuação na Suprema Corte

Já em 1992, David Souter contrariou sua origem republicana ao votar de forma decisiva para manter o aborto permitido nos Estados Unidos.

A prática, antes proibida por diversas leis estaduais, tinha passado a ser permitida por decisão da Suprema Corte em 1973, passando a considerar aquelas leis inconstitucionais por violarem o dito “direito à privacidade”, que não aparece expresso como tal na constituição americana. O caso, conhecido como Roe v. Wade, é frequentemente citado como exemplo de ativismo judicial. Souter votou para manter esse entendimento.

Em 2022, como consequência do aumento da composição conservadora da corte, o entendimento seria revertido e o aborto voltaria a ser criminalizado em diversos estados americanos. 

Ao longo de seu período na Suprema Corte, Souter também se filiou ao lado progressista em votações envolvendo ações afirmativas, separação entre Estado e igreja e direitos dos homossexuais.

Foi voto vencido a favor do tratamento preferencial a determinadas raças na seleção de alunos para escolas públicas, ao mesmo tempo que votava reiteradamente contra o que enxergava como tratamento preferencial dado pelo Estado a determinadas religiões, como no caso da oração em escolas públicas ou da instalação de escola pública em cidade habitada predominantemente por judeus ortodoxos.

Como juiz, David Souter defendia a tese de que a Suprema Corte deveria se manter fiel aos entendimentos já consolidados, mesmo que fossem duvidosos, em nome da estabilidade e da confiança da população no Judiciário. Foi o caso da decisão de 1992, na qual Souter corredigiu o voto vencedor, e que manteve permitido o aborto.

Nisso Souter se chocava contra colegas que gostariam de derrubar precedentes que consideravam maculados pelo ativismo judicial. Os juízes dessa corrente, cujo maior representante era Antonin Scalia — com quem Souter frequentemente trocava farpas —, preferiam ser fiéis ao texto do Legislativo, ao qual davam mais valor do que ao entendimento passado dos juízes.

Acenos ao ativismo judicial

O colega Scalia era um adeptos do chamado originalismo, doutrina que se opõe ao ativismo judicial e defende que a constituição seja lida de forma simples e direta, no sentido literal que as palavras tinham na época em que foram escritas.

Já Souter era crítico dessa forma de pensar, que chamou de “simplista” em discurso proferido em Harvard em 2010 após sua aposentadoria. O motivo seria que a constituição também conteria valores vagos ou não escritos, que precisariam ser considerados pelo juiz. 

Na sabatina de David Souter no Senado americano em 1990, quando foi inquirido diretamente sobre o ativismo judicial e sobre a ideia de protagonismo do Judiciário, Souter respondeu que “os tribunais devem aceitar que têm responsabilidade por construírem uma sociedade justa”.

A fala ecoa manifestações do ministro Luís Roberto Barroso, do tribunal homólogo no Brasil. Barroso é antigo defensor da tese de que os tribunais constitucionais (como o STF ou a Suprema Corte americana) devem atuar, em suas palavras, como uma “vanguarda iluminista, encarregada de empurrar a história quando ela emperra”. 

Em sua sabatina, Souter também argumentou que a “responsabilidade constitucional não tolera vácuo” e que, se existir um problema social que toca indiretamente nos valores da Constituição e os outros poderes não estiverem agindo, o Judiciário deve intervir.

É o mesmo argumento frequentemente usado, no Brasil, pelo STF. Números do próprio tribunal apontam um grande crescimento recente dos casos em que o Supremo se considerou legitimado a agir substituindo outros poderes, por suposta “omissão inconstitucional” deles.

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noticia por : Gazeta do Povo

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