O Censo das Secretárias 2024 revela que 93% das mulheres que ocupam cargos de secretariado nos estados e capitais brasileiras já sofreram violência psicológica no exercício de suas funções. A pesquisa inédita foi conduzida pelos Institutos Alziras, Aleias, Foz e Travessia Políticas Públicas, com o objetivo de entender as experiências pessoais e trajetórias dessas profissionais.
A diretora-executiva do Instituto Alziras, Marina Barros, explica que o estudo foi inspirado no último Censo das Prefeitas Brasileiras, realizado pelo instituto. O levantamento, que avaliou mandatos de 2021 a 2024, revelou que 70% das prefeitas ouvidas iniciaram a carreira na política em secretarias.
“A gente fez um caminho reverso para entender como as secretárias estavam alcançando esse espaço de secretaria”, disse Marina.
A diretora salienta que a maioria das secretárias ouvidas não se davam conta das violências psicológicas cotidianas. “Inicialmente elas não se identificaram como vítimas de violência política de gênero, mas, quando foram confrontadas com situações cotidianas, 93% se identificaram com situação de violência psicológica. Quando detalhadas as situações que elas passavam diariamente, relataram violências sem perceber que se tratava de violência”.
Violência física e sexual
Segundo o censo, que ouviu 341 secretárias estaduais e das capitais brasileiras, 43% sofreram violência de gênero, enquanto 33% enfrentaram violência sexual no cargo. Nos casos de assédio, as profissionais relataram que foram alvos de comentários de cunho sexual e gestos obscenos.
Os dados destacam ainda que uma em cada quatro secretárias sofreu agressões físicas durante reuniões ou debates. O percentual é maior entre as secretárias negras: 33% descreveram episódios deste tipo de violência. Entre as profissionais brancas, a taxa é de 22%.
“Teve uma secretária negra que foi trancada em uma sala com a luz apagada”, conta Marina.
Embora os números de violência sejam elevados, a pesquisa apontou que metade das vítimas optaram por não reportar os casos. Apenas 15% recorreram a instâncias formais de denúncia, enquanto 28% relataram a situação aos colegas e 23% à chefia direta.
Violência dentro dos partidos
Um dos motivos para a subnotificação é o medo de represálias, visto que a maior parte dos agressores são colegas de trabalho (65%) e membros dos mesmos partidos políticos (41%).
Esses dados, segundo análise dos institutos, revelam como o ambiente do serviço público perpetua desigualdades de gênero, reforçando a vulnerabilidade das mulheres mesmo nesses espaços.
A diretora do Instituto Aleias, Luana Dratovsky, ressalta que, apesar de estarem em cargos técnicos e políticos, as secretárias de governos não são amparadas pela Lei 14.192. A norma trata da proteção de mulheres candidatas ou eleitas a cargos eletivos.
“As mulheres que ocupam cargos não eletivos de poder, como as secretárias estaduais e municipais, ou até mesmo ministras, não estão protegidas por essa legislação. Alterar a lei de violência política de gênero ou a proposição de um novo projeto de lei que acolha essas mulheres é fundamental”, afirma Luana.
Via de acesso às prefeituras e vereança
O Censo das Secretárias também mostra que apenas 28% das secretarias dos estados e capitais são ocupadas por mulheres. Teresina (PI) é a cidade com menor percentual, apenas 6%. Enquanto Natal (RN) e Boa Vista (RR) têm índices acima da média geral.
A maioria das profissionais que exercem as funções de secretariado possuem especializações como mestrado, doutorado, além de uma longa carreira na vida pública. Em geral, elas atuam em pastas ligadas a saúde, educação e meio ambiente. Já as pastas econômicas, de infraestrutura e órgãos centrais são predominantemente ocupadas por homens.
De acordo com o levantamento, esses espaços são as principais vias de acesso para as mulheres concorrerem a cargos eletivos. A diretora do Instituto Alziras, Marina Barros, conta que os partidos olham para as trajetórias dessas profissionais frente às secretarias na hora de compor suas chapas. No entanto, para Marina, essa disputa pode ser um dos motivos para as secretárias serem alvos de violência entre os próprios colegas.
“As secretárias exercem papéis estratégicos acumulando poder e visibilidade. Quando demonstram sua ambição política, tornam-se mais vulneráveis à violência e a lei não lhes dá cobertura”.
A diretora ainda ressalta que o levantamento é necessário para garantir proteção e igualdade de condições para as mulheres que ocupam secretarias.
noticia por : UOL